A Procissão Dançante do Pentecostes
A cidade mais antiga do Luxemburgo é anfitriã de uma tradição secular que se repete todos os anos, sendo que em 2022 também não deixará de atrair milhares de fiéis e curiosos. A acreditar na já inexistência de quartos de hotel por preencher, espera-se que volte a ser um dia em cheio. Estamos a referir-nos à “Whit Tuesday”, a terça-feira de Pentecostes, um feriado cristão que é celebrado no dia seguinte à segunda-feira de Pentecostes. Recorde-se que o Pentecostes é uma das solenidades móveis do Calendário Litúrgico, estando a sua data comemorativa dependente do dia em que recai o Domingo de Páscoa.
Denomina-se “Whit” pois faz referência às vestes brancas utilizadas por quem é baptizado no Dia do Pentecostes. Há também quem recorra à palavra francesa “huit”, uma vez que o Dia do Pentecostes é celebrado no oitavo Domingo a contar do Dia de Páscoa. No caso da Igreja Ortodoxa Oriental, a terça-feira de Pentecostes é conhecida como “Terceiro Dia da Trindade” e faz parte da Festa de Pentecostes. Não apenas nos mosteiros e nas catedrais, mas também nas igrejas paroquiais se costuma celebrar o “Whit Tuesday”.
E por esta ocasião que muitos países do Centro da Europa dão corpo a uma das mais “sui generis” manifestações religiosas: a Procissão Dançante de Echternach. Esta cidade atrai milhares de fiéis e curiosos, que enchem as ruas de música, dança e religiosidade.
Para os turistas menos atentos a atracção da cidade mais antiga do Grão Ducado pode parecer algo caricata. Trata-se da única procissão dançante do mundo! Os locais chamam-lhe “rezar com os pés”, mas para muitos é um grande encontro entre famílias, amigos e diferentes culturas. Aqui parecem ter encontrado uma forma de tornar as actividades religiosas mais divertidas e acessíveis a todos. Declarada Património Mundial da UNESCO em 2010, esta tradição remonta a 1497.
A procissão é composta por filas de cinco pessoas, todas vestidas com camisa branca e calças azuis escuras, ligadas por um lenço branco. Este ano estão registados quarenta grupos de dança que irão pular ao som da mesma melodia de polca. A parte do convívio entre todos começa quando a procissão termina. Durante toda a tarde, até altas horas da noite, os moradores misturam-se com os turistas nos bares de Echternach, para viverem a cultura do vinho e da cerveja tão típica do Luxemburgo. A animação não se limita apenas aos grupos participantes dado que todos os que quiserem podem juntar-se ao cortejo que percorre a cidade.
Este ano, a terça-feira de Pentecostes calha no dia 7 de Junho.
Mas sendo Echternach a cidade mais antiga do País e estando localizada bem perto da Alemanha (a separação é apenas feita pelo rio Sure [Sauer]) não faltam locais de interesse para o visitante mais exigente.
De entre uma longa lista, destacamos a Abadia de Echternach, um imponente complexo que domina o “skyline” da cidade, onde se encontra uma cripta merovíngia com um magnífico sarcófago de mármore branco no qual estão os restos mortais do fundador da Abadia, São Vilibrordo.
A basílica papal, cujo projecto actual data dos Séculos XI e XIII, foi danificada durante a Batalha do Bulge e posteriormente reconstruída em estilo romântico revivalista. A cripta alberga magníficos frescos em toda a sua extensão e é onde se pode apreciar o sumptuoso sarcófago de São Vilibrordo. Daqui pode apreciar-se a fonte de São Vilibrordo e os confessionários renascentistas.
A Abadia foi, pois, fundada no Século VII por São Vilibrordo, santo padroeiro do Luxemburgo, e durante trezentos anos beneficiou do patrocínio de uma sucessão de governantes, o que fez dela a instituição mais poderosa do País.
Originalmente, Echternach foi local de uma vila romana do Século I. Cinco séculos depois passou para o domínio da Sé de Trier,que ali construiu um pequeno mosteiro. Em 698 foram concedidas a São Vilibrordo (à época o Bispo de Utrecht) algumas terras em Echternach para ali construir um mosteiro, tendo ele mesmo sido nomeado “abade”. A escolha deste religioso – segundo a História – deveu-se à sua reputação como proselitista (também é conhecido como Apóstolo dos Frísios).
Echternach albergou assim o primeiro mosteiro anglo-saxão da Europa continental. Posteriormente, São Vilibrordo garantiu o apoio de muitos monges irlandeses, que se tornariam parte do primeiro assentamento em Echternach.
São Vilibrordo passou muito tempo da sua vida em Echternach e ali morreu no ano de 739; foi sepultado no oratório, que logo se tornou num local de peregrinação, principalmente depois de ter sido canonizado. Em 751, a Abadia de Echternach foi declarada “Abadia Real”. A última intervenção de fundo foi realizada em 1953 – obras de intervenção que lhe deram a aparência que podemos apreciar actualmente.
Se um dia os leitores visitarem a Abadia de Echternach, não deixem de apreciar a cripta de mármore branco e – muito importante – de visitar a cidade mais antiga do Luxemburgo, que muito tem para oferecer. O seu centro histórico, os seus jardins e um enorme lago, bem como centenas de quilómetros de trilhos de montanha, são certamente razões mais do que suficientes para os visitantes demorarem alguns dias nestas paragens.
João Santos Gomes