Timor

500 Anos da Chegada dos Portugueses

Assinala-se no próximo dia 15 de Agosto o quinto centenário da chegada dos portugueses a Timor. Com eles, vieram os missionários que converteram a população ao Catolicismo. É essa distinção religiosa que explica em boa parte porque é que hoje há um país independente chamado Timor-Leste. Um país que pode estar a viver um momento de viragem crucial para o seu futuro.

Como tantas outras vezes aconteceu na história difusa a expansão europeia, a chegada dos primeiros portugueses a Timor não se deu, de certeza, na data oficial: 15 de Agosto de 1515.

Nesse dia, marinheiros lusos acostaram em Lifau, no que é hoje o enclave de Oecússi, mas sabe-se que a ilha já era conhecida, porque surge num mapa datado de 1512.

Como era usual em todas as novas terras descobertas pelos portugueses, também ali guerra, comércio e evangelização andaram de braço dado. A recolha de sândalo, uma madeira particularmente apreciada e valiosa, motiva essas primeiras incursões, mas logo a seguir vem a recolha de almas para a Igreja Católica.

Como é fácil de calcular, esse processo de exploração económica e de assimilação religiosa esteve muito longe de ser pacífico. Ao contrário do que muitas vezes se tenta fazer crer, as relações entre portugueses e timorenses foram muitas vezes violentas. A resistência da população local às imposições dos governadores enviados por Lisboa só termina já em pleno séc. XX, e há casos documentados de revoltas que são sufocadas com grande crueldade.

O historiador francês René Pélissier, um dos principais especialistas no colonialismo português, não tem dúvidas em afirmar que tem sido veiculada «uma história romanceada da colonização portuguesa em Timor», assente apenas na participação da Igreja e dos missionários.

A realidade foi bem mais complexa e dura. Pélissier calcula que, na última grande revolta timorense, causada pelos impostos, tenham morrido 15 a 20 mil pessoas. Muitas foram mesmo decapitadas pelos portugueses e pelos seus aliados timorenses.

É claro que hoje este passado sangrento está relativamente esquecido, ou pelo menos é desvalorizado. As relações entre Portugal e Timor-Leste são fortes, estreitas e amigáveis, e o mesmo acontece entre os respectivos povos. A herança religiosa comum (mais de 95% da população timorense é católica) contribui muito para isso, tal como a participação que Portugal teve no processo de libertação de Timor-Leste do jugo indonésio e na pacificação e estabilização do País nos seus primeiros anos.

Contudo, a existência desses sentimentos positivos não deve ser sinónimo de sentimentalismo. Timor-Leste enfrenta actualmente desafios muito sérios e graves, que só podem ser enfrentados com sucesso se houver uma relação franca e honesta entre os timorenses e os seus amigos na comunidade internacional – portugueses incluídos. Timor-Leste ainda não consegue formar todas as pessoas de que necessita para desenvolver o País e, por isso, depende muito da ajuda estrangeira para o fazer. Hoje em dia, graças ao petróleo das suas águas, o problema já nem é tanto de falta de recursos materiais, mas antes de falta de projectos de qualidade e de organização para os levar a cabo.

É por isto que muitas das necessidades básicas da população continuam por satisfazer. Faltam estradas, faltam escolas, faltam instalações de saúde e muitíssimas outras coisas indispensáveis a uma vida digna. Quase todos os observadores desapaixonados, mesmo dentro da própria Igreja, concordam no diagnóstico: desde a independência, algumas coisas boas se fizeram, mas havia condições para se fazer bastante mais.

Felizmente para os timorenses, parecem ter passado os tempos em que as insatisfações de antigos resistentes e os conflitos políticos se resolviam com violência, mas o regresso a esse passado não é impossível, tanto mais que se adensam as notícias e os rumores sobre corrupção nas altas esferas governativas (ver caixa).

Coincidência ou não, poucos meses depois de essas alegações terem vindo para a praça pública na sequência do afastamento suspeito de magistrados que as estavam a investigar, o Primeiro-Ministro e líder histórico da resistência timorense, Xanana Gusmão, demitiu-se do cargo.

O objectivo deste gesto, segundo o próprio, é possibilitar a renovação do quadro de governantes do País, dando lugar a uma geração mais jovem. O seu substituto, Rui Araújo, parece enquadrar-se nesse perfil e é bastante elogiado dentro e fora do País.

Cabe-lhe agora demonstrar que a mudança não será apenas de nomes. Se conseguir criar uma equipa renovada, que dissipe as suspeitas de que o Executivo está minado pela corrupção, e se dinamizar a acção governativa, tornando-a capaz de responder de forma mais rápida e eficaz às muitas necessidades da população, então 2015 pode muito bem tornar-se histórico por outro motivo: a passagem de Timor-Leste para a era de paz e desenvolvimento tão antecipada em 2002, quando conquistou a independência.

 

A Corrupção e a Independência Judicial (Caixa)

No final de 2014, numa altura em que várias suspeitas de corrupção envolvendo membros do Governo de Timor-Leste estavam a ser investigadas por juízes estrangeiros ao serviço da justiça timorense, o Governo de Díli decidiu expulsá-los. A razão oficial apresentada nada tinha a ver com as investigações, mas restam poucas dúvidas de que foi por causa delas que isso aconteceu.

Este caso é muito preocupante, porque parece demonstrar que, para já, não é possível haver um poder judicial verdadeiramente independente em Timor-Leste. Sem isso, não há democracia na verdadeira acepção da palavra.

O Governo português reagiu de forma muito prudente a esta atitude, que atingiu seis magistrados e um oficial de polícia que prestavam ali serviço no âmbito de um acordo de cooperação entre os dois países.

Não sabemos o que se passou nos bastidores, mas, em público, o caso foi desvalorizado e caiu no esquecimento muito depressa. Se foi isto também o que se passou dentro dos gabinetes, Portugal não fez favor nenhum a si próprio, nem a Timor-Leste.

Os verdadeiros amigos, quando tal se justifica, também tomam atitudes mais duras e proferem palavras mais azedas.

Só assim é que o respeito mútuo se mantém.

ROLANDO SANTOS 

Família Cristã

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