Deve a Igreja preocupar-se com assuntos não espirituais?
Há uma passagem de São Tiago que merece reflexão: «Se um irmão ou uma irmã estiverem necessitados de roupa e passando privação do alimento de cada dia, e qualquer dentre vós lhes disser: “Ide em paz, aquecei-vos e comei até satisfazer-vos”, porém sem lhe dar alguma ajuda concreta, de que adianta isso? Desse mesmo modo em relação à fé: por si só, se não for acompanhada de obras, está morta. Entretanto, alguém poderá afirmar: “Tu tens fé, e eu tenho as obras; mostra-me tua fé sem obras, e eu te demonstrarei minha fé mediante as obras que realizo”(Tiago 2:15-18)». Desta passagem podemos retirar algumas ideias:
1– Jesus Cristo veio para redimir o homem. A Igreja que Ele fundou tem a responsabilidade de continuar a Sua missão de salvação do mundo. Essa accão salvadora é dirigida não apenas para a alma mas para o todo da pessoa – corpo e alma. A Igreja trabalha para o desenvolvimento humano total e completo.
2– São Tiago ensinou-nos que o Evangelho deve estar ligado à conduta pessoal de alguém, não apenas no aspecto individual, mas também nas suas repercussões sociais. A santidade não é egoísta. Antes pelo contrário, ela incita-nos a cuidarmos uns dos outros, a sermos «o protector do meu irmão (Génesis 4:9)». A essência da santidade é a caridade. É por isso que dizemos que acreditamos na comunhão dos anjos, a qual é amor em acção.
3– A Igreja existe no mundo. Este facto origina uma relação com o mundo que deve ser caracterizada pela harmonia e respeito. Os ensinamentos sociais da Igreja definem os parâmetros que governam esse relacionamento.
O AMBITO DO ENSINAMENTO SOCIAL– Os ensinamentos sociais da Igreja visam a formação das consciências. A Igreja não entra nos aspectos técnicos dos problemas. Nem tenta promover ou endossar sistemas particulares de organização social. A Igreja aceita qualquer sistema social que respeite a dignidade humana.
COMO FUNCIONA– O “DoCat” (Arnd Küppers e Peter Schallenberg, 2016), que tenta explicar em linguagem simples o conteúdo da Doutrina Social da Igreja, diz-nos [N.d.R.: tradução da versão inglesa]: “O termo ‘doutrina social’ refere-se às disposições sobre questões sociais que o Magistério da Igreja emitiu a seguir à publicação da Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII. Com a industrialização, no século XIX, surgiu uma ‘ordem social’ inteiramente nova”. A maior parte das pessoas já não estavam empregadas na agricultura mas, ao invés, a trabalhar na indústria. Antes as pessoas trabalhavam as suas terras, agora trabalham numa qualquer fábrica.
O “DoCat” continua: “Não existia protecção para os trabalhadores, não havia Segurança Social, não havia férias e, muitas vezes, até existia trabalho infantil. Os sindicatos foram constituídos para representar os interesses dos trabalhadores. Para o Papa Leão XIII tornara-se óbvio que tinha de responder com medidas extraordinárias. Na Encíclica Rerum Novarum esboçou as linhas de uma nova ordem social, justa. A partir de então, os Papas têm respondido repetidas vezes aos ‘sinais dos tempos’, ao abordarem questões sociais, especialmente urgentes, na tradição da Rerum Novarum. Ao conjunto das disposições que se vêm acumulando ao longo do tempo dá-se o nome de Doutrina Social da Igreja” (“DoCat” n.º 25).
A Igreja também chama a atenção para situações que vão contra a sua doutrina. Por exemplo, o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, no ponto 512, sublinha: “Opõem-se à doutrina social da Igreja os sistemas económicos e sociais que sacrificam os direitos fundamentais das pessoas ou que fazem do lucro a sua regra exclusiva ou o seu fim último. Por isso, a Igreja rejeita as ideologias associadas, nos tempos modernos, ao ‘comunismo’ ou às formas ateias e totalitárias de ‘socialismo’. Rejeita, além disso, na prática do ‘capitalismo’, o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano”.
Pe. José Mario Mandía