Esforço, talento e força de vencer
Para o comum dos leitores, o nome de Alexandre Cruz pode dizer pouco. Mas, se disser que Alexandre Cruz bateu – sozinho – um dos recordes que poucos acreditavam poder acontecer, já começa a suscitar alguma curiosidade. E, mais, se ainda acrescentar que o Alexandre realizou tal feito sem parar uma única vez, muitos dos leitores irão ansiar pelo resto da história e dos detalhes da façanha.
Por incrível que pareça, a ideia da jornada surgiu «há pouco mais de um mês», ao sabor de «um copo de vinho tinto», contou a’O CLARIMo protagonista da aventura: percorreu de bicicleta os 738 quilómetros da mítica Estrada Nacional N.º 2, que liga Chaves a Faro, rasgando, literalmente, Portugal de Norte a Sul. Acabou por não cumprir o plano inicial de parar de cem em cem quilómetros e realizou o percurso sem quaisquer pausas. Foram 21 horas, 41 minutos e 33 segundos! Nisto dos recordes há que ser exacto nos tempos. A anterior marca estava acima das 24 horas e foi obtida em equipa. Já no caso do Alexandre, fê-lo sozinho com o apoio de dois amigos que o acompanharam de automóvel durante todo o percurso.
Claro está que em Mira, a terra do Alexandre, toda a população se envolveu emocionalmente com o feito alcançado, sendo apenas de lamentar que a nível nacional ainda pouco se tenha falado no assunto.
O atleta, hoje com 29 anos, passou várias vezes pela Selecção Nacional de Ciclismo nos escalões mais jovens. Apesar dos acasos da vida não lhe terem permitido seguir uma carreira profissional no ciclismo, nunca deixou de participar em competições.
A’O CLARIMexplicou que embora seja no ciclismo de estrada que se sente como “peixe na água”, hoje está «mais focado no BTT».
Dado que antes do confinamento o Alexandre preparou a época em cheio com o intuito de atrair patrocinadores, entretanto não lhe restou outra solução do que concentrar-se no trabalho e nos treinos com amigos, uma vez que foram canceladas todas as provas.
O Alexandre é funcionário fabril mas tal não o impede de treinar várias horas por dia, sendo que aos fins-de-semana fá-lo a dobrar. Ainda cuida dos seus cães e gatos.
Quem o conhece, sabe que tem espírito batalhador e é bastante esforçado, pelo que a época de BTT prometia-lhe bons resultados no Campeonato Nacional de Maratonas na categoria. Acontece que “Deus escreve direito por linhas tortas”, segundo o saber popular, e a glória acabou por surgir numa iniciativa completamente desenquadrada do que previra para este ano.
Satisfeito e orgulhoso por ter concluído mais esta empreitada, o nosso amigo ciclista dormiu mais de catorze horas seguidas e tem estado a recuperar das mazelas sofridas ao longo do percurso.
Revelando uma enorme humildade, a’O CLARIMnão deixou de desabafar, reconhecendo que foram muitos os que o apoiaram desde o início, embora também houvesse quem o tenha tentado desanimar e convencer a desistir. Sem guardar rancor em relação a estes últimos, agradeceu a quem por ele se preocupou desde a primeira hora. Sente que mesmo que tivesse falhado o objectivo, a maioria das pessoas iria estar ao seu lado.
No rol dos agradecimentos, não podia deixar de mencionar os dois amigos que de carro o acompanharam na jornada, cujas palavras de apoio e incentivo foram vitais em algumas fases do percurso, principalmente naquelas em que a força anímica começou a faltar e ainda havia muitos quilómetros por cumprir.
Segundo nos explicou, «ocorreram uma série de enganos logo nos primeiros quilómetros do percurso, mais concretamente na zona de Lamego e Viseu». Já depois de muita serra calcorreada, momentos houve em que começou «a duvidar se iria chegar ao fim». Foi depois de passar o mítico marco dos quinhentos quilómetros, tendo “apenas” pela frente a infame Serra do Caldeirão – sob os já tradicionais quarenta graus do Sol alentejano –, que o Alexandre acreditou que iria chegar a Faro. Nesta fase levava pouco mais de catorze horas de pedaladas.
«A serra foi um martírio!», confessou. Foram muitos quilómetros debaixo de um calor infernal. Pelo caminho foi tendo cãibras, já não sentia os pés e um joelho teimava em não cooperar desde o início.
Ultrapassada a serra, os mais de trinta quilómetros de descida, ao cheiro da maresia, deram-lhe outro alento e Faro já se começava a ver ao fundo.
Na chegada à capital do Algarve, mais precisamente no marco que assinala o fim Estrada Nacional N.º 2, um grupo enorme de apoiantes aguardava o Alexandre, por iniciativa de um amigo que se encontrava de férias no Algarve. Nesse instante, o atleta interiorizou que acabara de escrever o seu nome na história da mítica estrada portuguesa.
Agora é esperar que ganhe notoriedade e apareçam os ansiados patrocinadores, pois só assim poderá voltar a sonhar com uma carreira profissional ou pelo menos semi-profissional.
Esforço, talento e força de vencer não lhe faltam!
João Santos Gomes