Teologia, Uma Dentada de Cada Vez (20)

Poderá alguém interpretar a Bíblia?

Poderá alguém interpretar a Bíblia? São Pedro dá-nos uma resposta clara na sua Segunda Carta (II Pedro 1:20-21): «Antes de tudo temos que compreender isto: que nenhuma das profecias das escrituras está sujeita apenas a uma interpretação, porque nunca nenhuma profecia apareceu por impulso do homem, mas sim pelo de homens guiados pelo Espírito Santo, de acordo com as palavras proferidas por Deus».

É por isso que o Catecismo da Igreja Católica (nº 109) nos ensina: “Nas Sagradas Escrituras, Deus falou aos homens de forma humana. Para se interpretar correctamente, o leitor tem que ter atenção (1) ao que os autores humanos realmente queriam afirmar, e (2) ao que Deus queria revelar-nos através das Suas palavras” (“Dei Verbum”, 12 – “Palavra de Deus”, 12).

AUTORES HUMANOS– Como é que podemos saber o que os sagrados escritores nos quiseram dizer? Deixem-nos citar o CIC (nº 110): “De forma a conhecermos quais as intensões dos autores sagrados, o leitor tem que ter em consideração as condicionantes da época, os géneros literários usados nessa altura, a forma de sentir, falar e narrar corrente. É facto de que essa verdade é apresentada e expressa de formas diferentes e em tipos diferentes de escrita, nos textos proféticos e poéticos, e ainda noutras formas de expressão literária” (“Dei Verbum”, 12).

DEUS– Como é que poderemos saber o que Deus está a dizer? O CIC (nº 111) refere: “Mas como a Escritura Sagrada é inspirada, existe um outro e não menos importante princípio de a interpretar correctamente, sem a qual a Escritura continuaria palavra morta. ‘A Sagrada Escritura tem que ser lida e interpretada à luz do mesmo Espírito com que foi escrita’” (“Dei Verbum”, 12).

O Concílio Vaticano II indicou-nos três critérios para interpretar a Escritura de acordo com o espírito que a inspirou (“Dei Verbum”, 12). Podemos encontrar esses critérios no Catecismo da Igreja Católica. Estão relacionados com (1) a própria Escritura, (2) a Sagrada Tradição e (3) os ensinamentos da Igreja, ou Magistério.

A PRÓPRIA ESCRITURA– O nº 112 do CIC insta a “ter-se especial atenção ao CONTEÚDO E UNIDADE da totalidade da Escritura. Tão diferente quantos os livros que a compõem, a Escritura é una pela razão da unidade nos planos de Deus, no qual Jesus é o centro e o coração, aberto desde a sua Páscoa”.

Vimos antes que uma das propriedades da Escritura é a unidade do seu conteúdo. Algumas passagens aparentemente contraditórias podem ser resolvidas comparando a passagem em conflito com outras passagens. Por exemplo, no Livro do Êxodo (20:12) está escrito: «Honrarás o teu pai e a tua mãe». Mas em Lucas (14:26) está registado que Jesus afirmou: «Se alguém vier a mim e não renegar o seu próprio pai e mãe, e mulher e filhos, e irmãos e irmãs, e mesmo a sua própria vida, esse não poderá ser Meu discípulo». Como poderemos reconciliar estas duas afirmações?

Um número esmagador de passagens do Antigo Testamento confirma o Quarto Mandamento (Êxodo 21:15-17; Levítico 20:9; Deuteronómio 21:18-21; Provérbios 1:8-9, 6:20, 13:1, 20:20, 23:22, 30:17). Jesus não apenas fala sobre isto (Mateus 15:4, 19:19; Marcos 7:8-13, 10:19) como o confirma ele próprio (Lucas 2:51). São Paulo também aborda o assunto (Colossenses 3:20; Efésios 6:1-3). São Mateus oferece uma solução: «Aquele que amar pai e mãe, mais do que a mim, não me merece (10:37)».

A SAGRADA TRADIÇÃO– O CIC (nº 113) diz-nos para “lermos a Escritura no conceito da tradição viva do conjunto da Igreja. De acordo com um dito dos Pais da Igreja, a Sagrada Escritura foi escrita principalmente no coração da Igreja, em vez de nos documentos e registos, porque a Igreja carrega na sua Tradição o memorial vivo das Palavras de Deus, e isso é o Espírito Santo quem nos concede a interpretação espiritual da Escritura”.

MAGISTÉRIO DA IGREJA– Refere o CIC (nº 114): “Estejam atentos à ANALOGIA DA FÉ (Rom., 12:6). Por analogia da fé queremos dizer a coerência das verdades da fé, entre elas, e dentro do plano total da Revelação. É a autoridade dos ensinamentos da Igreja (Magistério) que nos mostra esta coerência”.

Pe. José Mario Mandía

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