De que modo as circunstâncias afectam a moralidade de um acto?
Podemos classificar o conceito de “circunstância” como a condição moral acidental que contribui para aumentar ou diminuir a bondade ou maldade moral de uma acção já praticada.
“As circunstâncias, incluindo as consequências, são elementos secundários dum acto moral” (Catecismo da Igreja Católica nº 1754). As referidas circunstâncias abrangem:
– A pessoa que pratica o acto, ou sobre quem o acto é exercido. É, pois, diferente ser uma criança a praticar o acto, ou ser um funcionário governamental; é diferente roubar um milionário ou um mendigo.
– A quantidade ou qualidade do objecto: roubar um objecto sagrado é mais grave do que roubar algo de valor semelhante.
– Onde a acção ocorreu pode alterar a moralidade: um pecado cometido em público é diferente de um pecado cometido em privado.
– Os meios utilizados para realizar a acção também contam.
– Razões adicionais pelas quais uma pessoa fez algo.
– A bondade ou maldade do acto também é afectada pela forma como é realizado.
– Quando um acto é feito e por quanto tempo (a duração) também pode afectar a qualidade do acto.
O Catecismo da Igreja Católica também explica, no ponto 1754, o efeito das circunstâncias sobre o acto:
– Elas contribuem para aumentar ou diminuir a bondade ou maldade moral dos actos humanos (por exemplo, a quantidade de um roubo).
– Também podem diminuir ou aumentar a responsabilidade do agente (como agir com medo da morte).
– As próprias circunstâncias não podem mudar a qualidade moral dos actos; não podem tornar nem boa nem correcta uma acção que é em si mesma maldosa.
ACÇÕES COM MÚLTIPLAS CONSEQUÊNCIAS
Muitas vezes, uma acção pode ter vários efeitos. Examinemos o caso de uma acção com dois efeitos, um bom e outro mau. Três condições são necessárias para tornar uma má acção numa boa acção.
(1) Como vimos anteriormente, a primeira e fundamental condição é que o objecto próprio da acção (finis operis) seja moralmente bom ou pelo menos indiferente (moralmente neutro). Um problema que pode aqui surgir é que às vezes é difícil determinar se o objecto próprio da acção tem um efeito bom ou mau.
O objecto é bom se o efeito for bom. O efeito é mau, por outro lado, se o efeito for mau, embora por vezes possa dar-se por alguma circunstância que o agente não pode evitar.
Não podemos exercer um acto mau, mesmo que o efeito (o resultado) seja bom.
(2) A intenção do agente também deve ser boa. Deve buscar exclusivamente o bem.
(3) Deve haver uma causa proporcionalmente séria para realizar a acção, ainda que resulte em algo mau. A causa é ainda mais grave quando:
– o mal causado, ainda que indirectamente, seja mais grave;
– o mais provável é que a influência da acção tenha efeito negativo;
– o efeito negativo é o mais provável que aconteça;
– a obrigação (por causa de um cargo de responsabilidade, por exemplo) de evitar o mal é maior.
Os exemplos abaixo ilustram a aplicação destes princípios:
1 – Um paciente sem esperança de sobreviver a uma doença ou a um acidente pode receber um sedativo forte para aliviar a dor, mesmo que tal lhe encurte a vida. Mas não pode receber uma dose mais forte dessa mesma droga, se isso lhe puder causar a morte”.
2– Uma pessoa pode submeter-se a uma operação cirúrgica, quando necessária, mesmo que possa vir a ficar estéril. Mas não pode tornar-se estéril de forma propositada, com o objectivo de evitar complicações graves, ou mesmo a morte, decorrentes de uma futura gravidez.
3– Podemos efectuar um investimento arriscado por forma a salvar uma empresa, mesmo que haja o perigo de a afundarmos ainda mais. Mas não se pode declarar falência de forma fraudulenta, mesmo que isso salve a empresa” (Charles Belmonte, “Faith Seeking Understanding”, Volume 2 – “Fé em Busca da Compreensão”).
Pe. José Mario Mandía