FESTA DA SANTÍSSIMA TRINDADE – Ano C – 12 de Junho

FESTA DA SANTÍSSIMA TRINDADE – Ano C – 12 de Junho

«Tudo o que possuo é igualmente teu» (Lc., 15, 31)

«O Espírito receberá do que é meu e vos anunciará. Tudo quanto o Pai tem, pertence a mim» (Jo., 16, 14-15)

No mês passado, os residentes de Macau receberam, de bom grado, diferentes tipos de subsídios destinados a mitigar as dificuldades financeiras encontradas durante a pandemia. Temos muita sorte em desfrutar destes benefícios. Em muitos outros países, os Governos não têm recursos monetários (ou vontade) para conceder apoio financeiro aos seus cidadãos. É difícil, no entanto, satisfazer a todos. Algumas pessoas consideram que estes benefícios são apenas uma gota no oceano, enquanto outras reclamam que as pessoas abastadas não deveriam tê-los recebido.

É fácil ter um conceito “quantitativo” de amor: só quando conseguimos o que queremos é que nos sentimos verdadeiramente bem cuidados. Por outro lado, assumimos que quanto mais damos aos outros mais eles devem estar cientes de que nos importamos com eles. Infelizmente, este tipo de amor pode dar origem a uma forma ou outra de possessividade e dependência, se não mesmo ao egoísmo directo. Veja-se quantas crianças mimadas, adultos imaturos e casamentos tóxicos são causados por tal mentalidade.

Neste Domingo da Trindade meditamos sobre o modo de ser de Deus. Às vezes, considero Deus como alguém que me deveria fornecer todos os tipos de benefícios e subsídios, especialmente quando estou com problemas.

Um verso de um famoso poema de Kahlil Gibran refere: “O amor não dá nada além de si mesmo e não leva nada além de si mesmo. O amor não possui nem pode ser possuído; porque o amor é suficiente para amar”. Esta é outra visão do amor mais “qualitativa” do que quantitativa: o amor é doação total, a oferta da própria vida através de escolhas concretas que não anulam a própria identidade ou a identidade do amado no processo. Nem elimina os desafios da vida, porque essas situações dolorosas são exactamente as ocasiões em que o amor verdadeiro pode ser experimentado. É assim que Deus é e ama.

A Igreja levou mais de três séculos para encontrar as palavras certas para descrever a Santíssima Trindade. O que as primeiras gerações de cristãos experimentaram sobre Deus foi tão único e sem precedentes que não havia vocabulário filosófico ou teológico adequado para expressá-lo. Eles experimentaram Deus como transcendente, mas também próximo da nossa condição humana, a ponto de assumir a nossa natureza humana. Ele era o Criador omnipotente, mas também o Pai misericordioso. Eterno, mas pronto para morrer pela nossa salvação. Ele habita nos mais altos céus e, ainda assim, habita no coração de cada crente. Eles sentiram que em Deus havia unidade, mas também pluralidade, a cada momento. Como eles o poderiam expressar?

A oração iluminou as suas mentes: durante a Liturgia (especialmente na Eucaristia) sentiram que só podiam entrar no coração do Pai por meio do Filho e do Espírito Santo. Uma vida de caridade deu-lhes também o sabor da misericórdia do Pai, da humildade de Cristo e da força vivificante do Espírito: cuidaram uns dos outros, socorreram os mais pobres e os marginalizados, partilharam o Evangelho com outros de diferentes culturas e nacionalidades. A pluralidade não os assustava. Até mesmo os pecadores foram acolhidos no seu meio para começarem uma nova vida. Perceberam que este modo concreto de viver na Igreja era, de facto, o reflexo da unidade na pluralidade na vida interior de Deus.

Depois de séculos de experiências semelhantes, que perduraram apesar de todos os conflitos e discussões, a Igreja finalmente conseguiu formular com palavras que Deus é koinonia, uma comunhão perfeita de três Pessoas diferentes, da qual a Humanidade foi chamada a participar: «Tudo quanto o Pai tem, pertence a mim», disse Jesus no Evangelho de hoje (Jo., 16, 14-15). E ainda: «O Espírito receberá do que é meu e vos anunciará».

A maneira como fala Jesus lembra-me o que o pai, na parábola do filho pródigo, disse ao irmão mais velho, o qual se recusou a participar da festa pelo regresso do irmão perdido: «“Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que possuo é igualmente teu”» (Lc., 15, 31).

O irmão mais velho considerava os “benefícios e subsídios” do pai quantitativamente insuficientes (“Você nunca me deu nem um cabrito para que eu pudesse comemorar com os meus amigos!”, queixou-se). A sua visão “quantitativa” do amor e o seu isolamento fizeram-no perder de vista o facto de que, sendo filho, já era herdeiro: já tudo era dele.

À semelhança do irmão mais velho, também nós somos relutantes em participar no banquete de amor dentro da Trindade, porque nos perdemos em recriminações e queixas. Compreensivelmente, se tivermos cancro, problemas familiares ou restrições económicas, mais facilmente nos sentimos negligenciados e até mesmo rejeitados como filhos de Deus. Mas mesmo nestas condições, há uma porção de amor que nos é oferecida. Algo que pode transformar a forma como vemos a nossa vida, os nossos sofrimentos e o nosso destino. Um banquete está preparado e o nosso lugar está reservado. Ao nos criar, nos salvar e nos santificar, Deus já nos deu tudo o que Ele é e tem. Participemos da festa!

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *