Como interagem a Liturgia e a Cultura?
A cultura, tal como normalmente a compreendemos, resulta da actividade humana, ao passo que a liturgia é o trabalho da Santíssima Trindade. No entanto, a liturgia também envolve o homem e, assim sendo, há uma inevitável interacção entre cultura e liturgia.
Por essa razão, no seio da Igreja Católica, podem-se encontrar, em diferentes lugares, diversos ritos litúrgicos: “O mistério celebrado na liturgia é um só, mas as formas da sua celebração são diversas” (Catecismo da Igreja Católica nº 1200).
O que são as referidas “formas” de celebração?
O CIC dá a resposta no ponto 1203: “As tradições litúrgicas ou ritos, actualmente em uso na Igreja, são: o rito latino (principalmente o rito romano, mas também os ritos de certas igrejas locais, como o rito ambrosiano ou o de certas ordens religiosas) e os ritos bizantino, alexandrino ou copta, siríaco, arménio, maronita e caldeu. ‘Fiel à tradição, o sagrado Concílio declara que a santa Mãe Igreja considera iguais em direito e dignidade todos os ritos legitimamente reconhecidos e quer que no futuro se mantenham e sejam promovidos por todos os meios’ (Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 4)”.
E como é que estes ritos apareceram?
Por um lado, “a riqueza insondável do mistério de Cristo é tal, que nenhuma tradição litúrgica pode esgotar-lhe a expressão” (CIC nº 1201) [N.d.R.: o mesmo é dizer que o mistério de Cristo é tão insondavelmente rico que não pode exaurir-se numa qualquer tradição litúrgica]. Ou seja, há espaço para uma grande variedade de expressões de um mesmo mistério.
Por outro lado, “as Igrejas duma mesma área geográfica e cultural acabaram por celebrar o mistério de Cristo através de expressões particulares, culturalmente diferenciadas: na tradição do ‘depósito da fé’ (2 Timótio 1:4 – Vulgata), no simbolismo litúrgico, na organização da comunhão fraterna, na compreensão teológica dos mistérios e nos tipos de santidade. (…) A Igreja é católica: pode integrar na sua unidade, purificando-as, todas as verdadeiras riquezas das culturas (Lumen Gentium 23; Unitatis redintegratio 4)” (CIC nº 1202).
A cultura torna-se, assim, num instrumento de salvação e santificação, da mesma forma que Jesus Cristo usou a sua humanidade como instrumento para nos salvar e santificar. “É com e pela sua cultura humana própria, assumida e transfigurada por Cristo, que a multidão dos filhos de Deus tem acesso ao Pai, para O glorificar num só Espírito” (CIC nº 1204).
O que devemos ter em consideração ao adaptar a liturgia a uma cultura específica?
Em primeiro lugar, temos que saber o que pode ser alterado e o que deve ser deixado intacto. O CIC refere, no ponto 1205: “‘Na liturgia, sobretudo na dos sacramentos, existe uma parte imutável – por ser de instituição divina – da qual a Igreja é guardiã, e partes susceptíveis de mudança que a Igreja tem o poder e, por vezes, mesmo o dever de adaptar às culturas dos povos recentemente evangelizados’ (João Paulo II, Vicesimus quintus annus, 16; SC 21)”. Por isso, “convém que a celebração da liturgia tenda a exprimir-se na cultura do povo em que a Igreja se encontra, sem se submeter a ela. Por outro lado, a própria liturgia é geradora e formadora de culturas” (CIC nº 1207).
Em segundo lugar, de acordo com o CIC, no ponto 1206, “a adaptação às culturas exige uma conversão do coração e, se necessário, rupturas com hábitos ancestrais incompatíveis com a fé católica (João Paulo II, Vicesimus quintus annus)”.
No início, dissemos que a cultura surge da actividade humana, mas porque a liturgia envolve o homem “a própria liturgia é geradora e formadora de culturas” (CIC nº 1207). Consequentemente, todas as culturas são purificadas, elevadas a um nível sobrenatural, dando-nos a possibilidade de nos tornarmos santos. A caridade passa a ser a lei suprema de todas as culturas.
Pe. José Mario Mandía