Nossa Senhora da Expectação e outras devoções
O Advento é uma festa da luz, em oposição às trevas. O Advento é um lembrete das promessas do Antigo Testamento sobre a vinda do Messias. Podemos constatá-lo na tradição da Árvore de Jessé, por exemplo, que consiste em símbolos do Messias provenientes da linhagem de Jessé (Lc., 3, 23-38). Por isso, Isaías é frequentemente lido durante esta época para nos lembrar que estamos à espera do dia em que o Messias voltará. Espera do Messias e espera do Menino que nascerá, em ambas as esperanças sempre como a luz do mundo que entra no nosso mundo obscuro e afasta as trevas do pecado para redenção de todos. O Advento tem assim duas partes: a primeira decorre do Primeiro Domingo do Advento até 16 de Dezembro, sendo a preparação para a segunda vinda de Cristo; a segunda parte vai de 17 até 24 de Dezembro e prepara-nos directamente para a celebração da primeira vinda de Cristo: o Natal.
O Advento é uma das celebrações mais multiculturais, mas também contraculturais que temos. Porque na época do imediatismo, da “fast food”, da velocidade furiosa da vida, a Igreja convida-nos a parar e aprender a esperar. A expectar. Nesta espera dupla, da luz do mundo que reinará sobre as trevas, como referiam os teólogos, recordo aqui uma das festas mais próprias do Advento. Talvez seja a mais adventícia das celebrações antes do Natal: a Nossa Senhora do Ó ou Nossa Senhora da Expectação.
Muito antiga e acarinhada em Portugal, Espanha, no mundo mediterrânico, mas não apenas, é uma devoção mariana surgida em Toledo, em Espanha, remontando à época do X Concílio (Toledo, ano de 656), presidido pelo arcebispo Santo Eugénio (646-657), reunião onde se estipulou que a Festa da Anunciação fosse transferida para o dia 18 de Dezembro. Ao arcebispo toledano Eugénio sucedeu o seu sobrinho, o grande São Ildefonso, que viria a determinar, por sua vez, que esta Festa se celebrasse nesse mesmo dia 18, mas com o título de Expectação do Parto da Santíssima Virgem Maria. A Festa da Expectação da Santíssima Virgem Maria, originalmente celebrada na Hispânia, irradiaria para fora de Toledo e do mundo hispânico, conquistando o que era então “Portugal” e outros países cristãos de fidelidade romana. Não consta do calendário universal, mas ainda é comemorado no dia 18 de Dezembro em alguns locais como Espanha, Portugal, Itália e Polónia, bem como em algumas Ordens religiosas. Os Dominicanos, por exemplo, homenageiam Maria com o título de “Nossa Senhora da Expectação”.
Esta invocação da Virgem Maria é inspirada nos últimos dias de gravidez da Mãe do Salvador, na sua expectativa de ver o seu Filho Primogénito, razão pela qual se conhece actualmente a devoção como “Expectação do Parto de Nossa Senhora”. Esta expectativa, porém, não se resume à mera curiosidade de uma mãe que quer muito ver o filho que carrega no seu ventre, mas é também uma expectativa bem mais profunda e sobrenatural, que envolve toda a missão do Salvador que vai nascer. É a expectativa da Humanidade pelo Salvador. É uma expectativa que se baseia nas promessas bíblicas que o próprio Deus fez à Humanidade a respeito do Salvador. Tais promessas começam no livro do Génesis, quando Deus mostra a sua misericórdia depois do pecado de Adão e Eva, prometendo que a descendência da mulher esmagaria a cabeça da serpente. As promessas de que Deus enviaria o Salvador à Humanidade perpassam todo o Antigo Testamento até se cumprirem totalmente no Nascimento de Jesus. Esta era, pois, a grande expectativa da Virgem Maria: não só de ver o rosto do Seu Filho, mas também a contemplação e colaboração na sua missão redentora da Humanidade.
O povo chama-lhe, todavia, de Nossa Senhora do “Ó”. A origem desta denominação provém das expressões contidas nas orações litúrgicas que antecediam o Natal de Jesus. Com efeito, na liturgia antes do Natal, as orações começam sempre com a interjeição exclamativa “Ó”, como por exemplo: “Ó rebento da Raiz de Jessé… vinde libertar-nos, não tardeis mais”; “Ó Sabedoria… vinde ensinar-nos o caminho da salvação”; “Ó Emanuel… vinde salvar-nos, Senhor nosso Deus”. São as “Antífonas do Ó”, uma série de sete antífonas litúrgicas que são recitadas ou cantadas durante os dias que antecedem o Natal, especificamente de 17 a 23 de Dezembro. A Igreja propõe estas antífonas na Liturgia das Horas, acompanhando o Cântico Evangélico das Vésperas, o Magnificat (Lc., 1, 46-55), bem como na aclamação do Evangelho da Missa. Cada Antífona do Ó destaca uma qualidade ou título messiânico de Jesus Cristo e é associada a uma leitura bíblica específica. No seu todo, as antífonas formam um acróstico: a primeira letra de cada antífona em ordem inversa no original em Latim (Emmanuel, Rex, Oriens, Clavis, Radix, Adonai e Sapientia), forma a expressão latina “ERO CRAS”, isto é, “estarei amanhã” ou “virei amanhã”. Mais uma vez, as antífonas recordam a expectativa pela iminente vinda do Senhor. Já agora, a antífona de 18 Dezembro (Adonai) canta: “Ó Chefe da Casa de Israel que no Sinai destes a Lei a Moisés: vinde, vinde resgatar-nos com o poder do vosso braço”.
O bom povo passou a chamar à Virgem da Expectação carinhosamente de Nossa Senhora do “Ó”. Em Portugal, o culto à Expectação do Parto pensa-se que se tenha iniciado em Torres Novas, segundo frei Agostinho de Santa Maria no seu “Santuário Mariano”. Ali, segundo o autor, uma vetusta imagem da Senhora era venerada na capela-mor da Igreja Matriz de Santa Maria do Castelo. No tempo de D. Afonso Henriques, o povo conheci-a como Nossa Senhora de Almonda (devido ao rio Almonda, que ali corre); depois, na época de D. Sancho I, por Nossa Senhora da Alcáçova (c. 1187) e, a partir de 1212, quando se lhe edificou (ou reedificou) a igreja, por Nossa Senhora do Ó. O Reino de Portugal e o Império Ultramarino rapidamente assumiram a devoção e o culto de Nossa Senhora do Ó, uma verdadeira festa da alegria da espera antes do Natal.
A imagem de Nossa Senhora do Ó sempre apresenta a mão esquerda aberta sobre o ventre em final de gravidez. A mão direita pode também aparecer em simetria à outra ou levantada.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa