As Bem-aventuranças do Crente – 1
O Papa Francisco escreve de forma comovente: as bem-aventuranças são “o bilhete de identidade” dos cristãos e retratam o Mestre para todos (cf. EG 63). Queremos reflectir, em primeiro lugar, sobre as bem-aventuranças em geral e, em segundo lugar, sobre Jesus como a bem-aventurança de Deus.
No Antigo Testamento, “Deus dá os Dez Mandamentos a Moisés. No Novo Testamento, Jesus dá as bem-aventuranças aos seus discípulos” (Germain Grisez). Jesus é o mestre da vida, da nossa vida espiritual/moral, e o seu Sermão da Montanha, em Mateus, representa a síntese dos ensinamentos de Jesus para o caminho da vida. As bem-aventuranças, o coração do Sermão da Montanha, são consideradas uma sistematização das palavras mais importantes do Filho de Deus e de Maria, Jesus Cristo.
O conceito de bem-aventurança no plural está ligado ao conceito de bem-aventurança no singular, ou seja, de felicidade no sentido aristotélico. Tomás de Aquino define as bem-aventuranças como actos das virtudes agraciadas e aperfeiçoadas pelos Dons do Espírito Santo, ou melhor, como actos dos Dons. Se a felicidade, isto é, a beatitude, é a mais alta perfeição do homem, estas disposições interiores da alma, a que Jesus chamou insistentemente beatitudes, devem referir-se às mais altas perfeições, superiores às virtudes e mesmo aos Dons (T. Urdanoz).
O Sermão da Montanha de Mateus e o Sermão da Planície de Lucas estão intimamente ligados, embora existam diferenças: O de Mateus é mais espiritual, enquanto o de Lucas é mais material. As bem-aventuranças de ontem e de hoje são verdadeiramente revolucionárias – revolucionárias dos valores (na verdade, anti-valores) do mundo. São como verdadeiras bombas. Cada uma delas é um desafio para todos nós. Um exemplo: “Bem-aventurados os pobres” e “ai dos ricos”.
Ao estudar as quatro bem-aventuranças de Lucas, Santo Ambrósio considerou-as actos das quatro virtudes cardeais. Já Santo Agostinho, que estudou as oito bem-aventuranças de Mateus, considera-as frutos e actos dos Dons. As bem-aventuranças do Sermão da Montanha e da Planície não são apenas escatológicas, mas também temporais, no sentido de que falam da felicidade também aqui na terra. Interpretando-as, São Tomás de Aquino diz que as três primeiras bem-aventuranças são orientadas para o desapego dos prazeres enganadores da vida: “Bem-aventurados os pobres em espírito refere-se ao desprezo das honras e das riquezas”.
No edifício espiritual/moral de São Tomás, temos a graça divina, as virtudes morais adquiridas/infundidas, os Dons do Espírito Santo (com os seus frutos) e as Bem-aventuranças, que são actos das virtudes aperfeiçoadas pelos Dons (cf. Suma Teológica, I-II, 69-70). Os Sete Dons do Espírito Santo e as Bem-Aventuranças são componentes das virtudes e pertencem a uma vida virtuosa. As bem-aventuranças são como que o cume da montanha da vida moral, da perfeição cristã e da santidade a que todos os cristãos são chamados.
O percurso dinâmico da Teologia Moral Fundamental começa com uma meditação sobre a bem-aventurança e termina com uma reflexão sobre as bem-aventuranças. A Teologia Moral é, portanto, um caminho para a beatitude (o fim último, Deus, a felicidade plena), através da prática virtuosa (os meios) das bem-aventuranças.
As bem-aventuranças são a Carta Magna dos cristãos, mas não apenas para chegar ao céu: a felicidade começa aqui, hoje. Todas as bem-aventuranças têm um denominador comum, a saber: a felicidade: as oito bem-aventuranças são, de facto – como escreve Cabodevilla –, oito formas de felicidade, ou seja, “a felicidade profunda que se encontra em levar a sério o Evangelho e as suas consequências. De certo modo, todas elas coincidem com a pobreza e a humildade” (J. L. Larrabe).
Guiados pelo Doctor Angelicus, dizemos algumas palavras sobre cada uma das oito bem-aventuranças de Mateus (Mt., 5, 3.12).
Bem-aventurados os pobres em espírito. A primeira bem-aventurança, a pobreza de espírito, está presente em todas as outras: os pobres de espírito são também os que choram, os mansos, os que têm fome de justiça, os misericordiosos e os puros de coração. Bem-aventurados os pobres de espírito, ou seja, bem-aventurados os que conhecem a sua necessidade de Deus; o Reino de Deus é deles. Ser pobre em espírito implica, também, partilhar os nossos bens com os pobres. (“Um homem pode não ter dinheiro no bolso e, no entanto, ter a alma cheia de avareza” – Venerável Fulton Sheen).
Bem-aventurados os mansos. A segunda bem-aventurança refere-se àqueles que vencem as suas paixões, em particular a impaciência e a cólera. Os mansos são aqueles que se entregam totalmente a Deus e são bondosos, benevolentes e benéficos para com o próximo.
Bem-aventurados os que choram. Ou seja, aqueles que triunfam sobre as paixões da concupiscência. Estes são felizes porque colocam a sua consolação em Deus e suportam os seus sofrimentos – a cruz – pacientemente e até com alegria com e depois de Cristo.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, e bem-aventurados os misericordiosos. A quarta e a quinta bem-aventuranças referem-se à vida activa, às obras perfeitas da vida activa que conduzem à felicidade: obras de justiça e de misericórdia – de justiça misericordiosa.
Bem-aventurados os puros de coração e bem-aventurados os pacificadores. A sexta e a sétima bem-aventuranças referem-se a actos da vida contemplativa. Na sexta, a purificação de todas as paixões no interior do espírito. Na sétima, a purificação de todos os maus afectos em relação à vida com o próximo.
Bem-aventurados sereis quando vos insultarem e perseguirem e disserem todo o mal falsamente por minha causa. A oitava bem-aventurança é como que a coroação e a confirmação de todas as outras: suportar-se-á toda a perseguição, se se for pobre de espírito, manso, misericordioso… Tomás afirma que, de facto, sete é o número das bem-aventuranças: a oitava bem-aventurança repete a primeira, e sete são também os Dons do Espírito Santo (cf. Suma Teológica, I-II, 69).
Como peregrinos da esperança a caminho da felicidade plena, esperamos e alegramo-nos na esperança. Esta esperança é “acreditar nas bem-aventuranças, apesar das aparências”. Com esta esperança agraciada, “aquele que chora é feliz agora, no momento presente”. É por isso que “esperamos face à esperança” (Jacques Ellul, “Escritos Espirituais Selecionados”). Somos necessitados. A esperança reza!
Pe. Fausto Gomez, OP