Percorrer o caminho da oração com Jesus
O Tempo da Quaresma, que agora teve início na Quarta-feira de Cinzas, caracteriza-se por um longo período de seis semanas até à Páscoa. É uma via de purificação e crescimento espiritual. Para o efeito, são reforçadas três práticas espirituais: oração, jejum e esmola. Brant Pitre, professor das Sagradas Escrituras, no seu recente livro “Introduction to the Spiritual Life: Walking the Path of Prayer with Jesus” (“Introdução à Vida Espiritual: Percorrendo o Caminho da Oração com Jesus”), dá-nos directrizes para a vida espiritual cristã. No início do ano, Tim Gray, presidente do Augustine Institute, conversou com Brant Pitre sobre a obra deste. Do enriquecedor diálogo, disponível no canal YouTube do Instituto – onde Pitre lecciona –, tirámos algumas notas que poderão servir de inspiração para um caminho de empoderamento na oração com Cristo neste Tempo da Quaresma.
Brant Pitre fala sobre a sua caminhada de valorização enquanto cristão católico. Vem reflectindo sobre a oração e a vida espiritual, através das orações vocais – uma oração antes da refeição ou uma (ou mais) orações antes de deitar à noite. «Ou talvez até uma oração um pouco mais longa, como o Rosário», explicita.
Ao ler os clássicos espirituais, obras como as de São Francisco de Sales, São João da Cruz ou de Santa Teresa de Ávila, o académico verificou que (segundo os Santos) a vida espiritual de um cristão é muito mais do que apenas as orações vocais. Na vida das referidas personalidades havia o costume de rezarem orações muitas vezes associadas às religiões orientais: «Coisas como a meditação ou a oração contemplativa, que na altura, quando comecei a estudar, nem sequer tinha a certeza do significado exacto».
Como estudioso bíblico, Pitre reconhece entre todas as diferentes tradições espirituais – carmelita, inaciana dos jesuítas, entre outras – o mestre espiritual de todos os mestres espirituais: Jesus Cristo. Assim, tentou incluir no seu livro todos os elementos essenciais da espiritualidade cristã: oração, jejum, esmola, sete pecados capitais e virtudes opostas. A determinado ponto, interroga-se: «Onde estão eles no Antigo Testamento? Onde estão eles nos ensinamentos de Jesus? O que a pregação apostólica dos santos e a Tradição nos dizem sobre como pô-las em prática na nossa vida diária?».
Para ele, foi crucial deixar de pensar o Cristianismo como um mero conjunto de leis externas que nos são impostas. Embora tenha consciência que o verdadeiro Cristianismo tem um núcleo moral profundo, sendo um código moral de vida, quando se trata da vida espiritual é importante reconhecer que não se trata só disso. «Quando Jesus fala de crescimento espiritual, fala com recurso à imagem de um caminho, de uma via». Uma viagem que conduz à vida eterna, vinca.
Mais: o estudo da Bíblia não é apenas a leitura da Bíblia: «Trata-se de ponderar sobre a Escritura e levá-la não só à minha mente, mas também ao meu coração; um suspirar sobre a verdade». Num forte apelo, Pitre lembra que todos os cristãos são chamados a meditar na Palavra de Deus, todos os dias, sendo esta alimento espiritual. E justifica o apelo recorrendo às próprias palavras de Jesus: «Está escrito: “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mateus 4:4)».
Em relação à oração contemplativa, o professor diz ser o que David descreve no Salmo 27. O desejo de procurar o rosto do Senhor e por Ele ser contemplado. «O olhar de amor entre a alma e Deus».
Neste contexto, coloca mais uma questão: «Se pensarmos bem, onde está isto nos Evangelhos?». E de seguida responde: os clássicos espirituais apontam todos para uma passagem-chave, registada esta por Lucas Evangelista: a famosa história de Maria e Marta. «Todos nós conhecemos bem a história. Marta está muito ocupada, muito activa. Ela está a tentar mostrar hospitalidade a Jesus e a preparar-Lhe uma refeição quando Ele vem a sua casa. Mas Maria, a sua irmã, está sentada aos pés do mestre a olhar para o Seu rosto, simplesmente a ouvi-Lo, calmamente. No cenário judeu do Primeiro Século, esta postura de sentar-se aos seus pés era, na verdade, a postura padrão de um discípulo perante o mestre».
Pitre constata que os santos vão usar esta imagem de Maria como uma espécie de modelo para a oração contemplativa. «Quando comecei a ler os clássicos espirituais, há vinte anos, principalmente o que encontrei foram comentadores das Escrituras. Vi estes místicos e santos dizerem uma e outra vez: esta experiência de oração que tive brotou desta passagem nos Evangelhos. Ou deste cântico, ou deste episódio da vida de Jesus. E fiquei impressionado com a profundidade da autêntica espiritualidade cristã bíblica, e não apenas bíblica, mas cristocêntrica».
Desta forma, ficou claro para o entrevistado que o caminho e a vida espiritual cristã não se centram apenas sobre este ou aquele método de oração, ou sobre determinadas experiências místicas. No fundo, os santos e os espirituais clássicos concordam que o objectivo da oração, da meditação e da contemplação é crescer na virtude e na proximidade com Jesus Cristo. Os santos, em particular, irão frequentemente expressá-lo, tendo em conta o que a Tradição chama de sete pecados capitais, como o orgulho e o amor próprio desordenado, a ira, a inveja, a avareza, a gula, assim como as suas virtudes opostas: a humildade, a misericórdia, a generosidade, a castidade, a temperança e a diligência. «Comecei a aperceber-me que tal significa que percorrer o caminho da oração com Jesus é ir cumprindo algumas exigências. Ele chama-me a crescer em virtude e a dar frutos», revela Pitre, recordando que Jesus compara a alma humana a uma árvore – uma boa árvore produz bons frutos, uma má árvore produz maus frutos. Com esta analogia conclui que se a alma é como uma árvore, então a saúde de um ramo pode fortalecer a saúde dos outros ramos. Do mesmo modo, a doença de um ramo pode afectar toda a árvore. Daí o conselho: «Devemo-nos concentrar numa virtude e tentar crescer nela».
Por último, alerta para uma tentação que nos pode afastar de Deus, com o recurso ao exemplo dos santos que contrariam a tristeza ímpia com a virtude da vontade de sofrer com paciência. Defende, pois, que a resistência no Cristianismo é a vontade de se aceitar a própria participação no mistério da Cruz. «É um sofrimento redentor onde permito-me ser conformado a Cristo crucificado, não por causa da dor em si, mas porque através do amor da cruz o sofrimento transforma-se e torna-se redentor. Tem o poder de mudar os corações, de mudar as almas, de mudar-me a mim mesmo, e o poder de participar na salvação que Cristo traz através do mundo».
Miguel Augusto