SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO – Ano B – 2 de Junho

SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO – Ano B – 2 de Junho

“Pão e vinho, fruto da terra e obra das mãos humanas”

A Eucaristia e o valor do trabalho

«Enquanto ceavam, tomou Jesus um pão (…) e disse: “Tomai, isto é o meu corpo”. Em seguida, tomou Jesus um cálice (…) e então lhes revelou: “Isto é o meu sangue da Aliança, o qual é derramado para o bem de muitos”» (Mc., 14, 22-24)

“No centro da celebração da Eucaristia temos o pão e o vinho que, pelas palavras de Cristo e pela invocação do Espírito Santo, se tornam o corpo e o sangue do mesmo Cristo” (Catecismos da Igreja Católica nº 1333).

Ainda hoje, o pão é o alimento básico para muitas pessoas no mundo mediterrânico. O pão é normalmente partido durante a refeição, simbolizando assim a partilha. O vinho, por outro lado, evoca a alegria e a festa, símbolo da abundância da bênção de Deus.

Em cada Eucaristia, durante o ofertório, o sacerdote oferece primeiro o pão com as seguintes palavras: “Bendito sejais, Senhor Deus de toda a criação, porque, pela vossa bondade, recebemos o pão que vos oferecemos: fruto da terra e obra das mãos humanas, ele tornar-se-á para nós o pão da vida”. O sacerdote repete a bênção com o vinho: “Fruto da videira e obra das mãos humanas”. Estas palavras, muitas vezes não ouvidas por causa dos cânticos, são importantes porque ligam a Eucaristia a um aspecto essencial da nossa vida: o nosso trabalho quotidiano.

O pão e o vinho, feitos de trigo e de uvas, são, antes de mais, uma dádiva do Criador. No entanto, para se tornarem comestíveis e bebíveis, têm de passar por um processo laborioso: semear e colher, esmagar e prensar, cozer e fermentar; ou seja, têm de passar pelo “trabalho das mãos humanas”. O fruto deste trabalho pode então tornar-se o Corpo e o Sangue de Cristo, o Sacramento da Sua presença entre nós.

Trabalhar é a nossa vocação humana comum, que deriva do facto de termos sido criados à imagem do Deus Criador, um Deus “trabalhador” que enche continuamente a criação com a sua bondade. O DOCAT sublinha, de forma interessante, que o trabalho humano é mais do que um mero dever: “Através do trabalho, o ser humano tem o privilégio de contribuir com algo para o desenvolvimento positivo do mundo. Assim, o homem participa, de certo modo, na obra criadora de Deus”. Trabalhar é um privilégio, não uma maldição! A bênção do pão e do vinho durante o ofertório sublinha claramente a preciosidade deste privilégio.

A Eucaristia confere também ao trabalho humano um sentido redentor: “Suportando o que o trabalho tem de penoso em união com Jesus, o artesão de Nazaré e crucificado do Calvário, o homem colabora, de certo modo, com o Filho de Deus na sua obra redentora. Mostra-se discípulo de Cristo, levando a cruz de cada dia na actividade que foi chamado a exercer. O trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrenas no Espírito de Cristo” (CIC nº 2427).

Juntamente com o pão e o vinho, oferecemos também a nossa vida de trabalho com todo o seu cansaço, para que se torne um dom de amor para a salvação da Humanidade. Deste modo, a Eucaristia mostra que a realização de tarefas simples, por mais humildes que sejam, une a pessoa a Jesus, que foi um trabalhador. Não nos esqueçamos disso.

A fadiga ligada ao trabalho, relacionada com a maldição do pecado original, através de Cristo recupera um sentido positivo e torna-se, nas palavras de São Tomás de Aquino, um “bonum arduum”, um bem que exige esforço, luta e perseverança para ser adquirido… mas vale a pena. A labuta do trabalho é um bem para a Humanidade: o Papa João Paulo II ousa mesmo dizer que “corresponde à dignidade do homem, exprime essa dignidade e aumenta-a” (cf. Laborem Exercens, 9).

Vivemos numa época de rápido desenvolvimento, especialmente no domínio das tecnologias da informação. Novas ferramentas, especialmente a Inteligência Artificial (IA), já começaram a efectuar transformações profundas nas nossas sociedades que, mais cedo ou mais tarde, terão impacto nos nossos locais de trabalho. Isto é altamente problemático porque muitos trabalhos serão efectuados por sistemas controlados por IA e os valores humanos e religiosos que associamos ao trabalho podem facilmente perder-se.

Há muitas questões em jogo. O Papa Francisco observou que “as máquinas inteligentes podem desempenhar as tarefas que lhes são atribuídas com uma eficiência cada vez maior, mas (…) o risco é que os critérios subjacentes a certas escolhas se tornem menos claros, que a responsabilidade de decisão seja ocultada e que os produtores possam subtrair-se à obrigação de agir para o bem da comunidade” (Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz 2024).

Que o pão e o vinho que oferecemos na Eucaristia nos ajudem a recuperar e manter o significado sagrado do nosso trabalho, especialmente do nosso trabalho árduo, enquanto estamos a desenvolver novas tecnologias com criatividade e inovação. Ao fazê-lo, a Eucaristia pode ajudar-nos, neste difícil processo, a preservar e proteger a dignidade da nossa família humana e de cada trabalhador.

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

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