Uma guerra planeada de fora
Devemos realçar a situação geográfica da Síria no Médio Oriente. É uma situação privilegiada, circundada pela Turquia, Iraque, Jordânia, Israel, Líbano e o Mar Mediterrâneo. Até à construção do Canal do Suez era a única e incontornável passagem para o comércio entre, de um lado a África e deste lado da Europa, e a Ásia. Era um país rico em recursos naturais, com bastante petróleo, um país que não tinha défice externo, era auto-suficiente, não tinha desemprego nem falta de segurança.
Por outras palavras, era uma sociedade verdadeiramente estável, onde ninguém poderia dizer: “Isto não pode continuar. O povo não aguenta mais. Isto vai acabar numa revolução. Numa guerra civil, devido à miséria, às injustiças, à fome…”. Não. O povo vivia bastante confortável.
Isto também explica o facto de que esta guerra que se desenvolveu no meio de nós, durante todos estes anos, não é uma guerra começada nas ruas, mais propriamente falando, uma guerra começada pelo povo. Foi uma guerra planeada do exterior, sobre uma mesa, planeada ao pormenor.
Tudo começou com a chamada “Primavera Árabe”, que para os árabes não teve nada de primaveril. As convulsões começaram nestes países: Tunísia, Líbia e Egipto. A guerra aproximava-se de nós e nós não a vimos vir. Na Síria, o povo dizia: “Aqui na Síria, isso não pode acontecer. É impossível”.
Mas os distúrbios começaram, no sul do País, numa pequena cidade chamada Daraa. Foi o primeiro local onde as convulsões tiveram lugar. Quando as demonstrações começaram a Imprensa internacional, os media, mostraram-no como se o povo Sírio acolhesse a “Primavera Árabe”, e tivesse saído à rua para pacificamente pedir a democracia.
A verdade é que as notícias que recebíamos dos nossos vizinhos, do povo (Sírio), era diferente do que a televisão mostrava.
O povo dizia: “Os grupos armados que entraram nas cidades não são da Síria. Eles falam dialectos diferentes”. Era o que diziam. Aqui cada país tem o seu dialecto (da língua árabe). Não eram sírios! E provocavam distúrbios na cidade. Já tinham cortado alguns cristãos em bocados, colocado os restos mortais em sacos de lixo, e escrito nos caixotes do lixo: “Não mexer. É um cristão”. Isto era o que a Imprensa chamava de “demonstrações pacíficas”…
Quando tal se começou a espalhar rapidamente e a acontecer mais frequentemente por todo o País, levado a cabo por esses grupos armados, que vieram do estrangeiro, o povo saiu à rua em Damasco (a capital) e em Aleppo (a segunda cidade do País, onde estava a nossa missão).
Milhares de pessoas foram para as ruas com cartazes, com faixas, exprimindo apoio ao seu Presidente, exprimindo a sua opinião a favor do Governo.
Não que Bashar Al-Assad seja o melhor a governar ou que seja um santo (provavelmente não o é), mas preferiam continuar assim, em vez de caírem nas mãos do fundamentalismo islâmico. Porque o resultado da guerra não seria uma democracia. Eles perceberam isso.
As mesmas imagens que presenciámos das nossas janelas na residência do bispo onde nos encontrávamos foram gravadas e divulgadas por importantes cadeias internacionais de notícias, com o comentário: “Manifestações pacíficas do povo Sírio, a pedir ao seu Presidente que se demita”.
(Tradução: Pe. José Mario Mandía e António R. Martins)