A ideia da Morte dá sentido à Vida
Estes sorrisos não são por causa do fotógrafo – quando se tira uma fotografia 4×4, onde cada um tenta parecer melhor e depois volta à sua cara “normal”. Não! eles sorriem mesmo. Sorriem, na medida do que sofreram. Admito francamente que estes sorrisos não são habituais, porque eu não os vi sorrirem facilmente lá fora (da Síria). E aí alguém pergunta, quase espontaneamente, «como é que eles podem sorrir desta maneira?».
Durante a última meia hora tenho estado a dizer-vos o que por lá está a acontecer. Condensei nesta meia hora os acontecimentos e vejo nas vossas caras que estão a sofrer com eles. Alguns de vós até já choraram. Sofrem porque eu estou a contar-vos tudo isto há já meia hora, e não porque tenham experimentado pessoalmente o seu sofrimento durante meia hora (o que seria uma coisa diferente). Assim, o que pensam se o sentissem durante quatro anos seguidos? Como é que alguém pode viver dessa maneira durante quatro anos, e ainda sorrir?
A única resposta (a esta pergunta) é a FÉ. É a fé que lhes dá coragem. É a fé que os fortalece. É a fé que faz com que continuem a viver a sua vida diária, realmente felizes – mesmo até mais felizes do que antes.
Por exemplo, vejam os jovens. Nós perguntamos-lhes: «Porque é que o teu sorriso é agora maior do que antes?». Metade dos jovens eram empresários. E milionários. Tinham tudo. E agora que perderam tudo, ainda sorriem mais! E o que é que eles dizem? «– Acontece que antes [da guerra] estávamos tão distraídos com as coisas do Mundo, a ponto de nos esquecermos das coisas importantes. E agora a guerra deu-nos um bom abanão, e ensinou-nos a colocarmos cada coisa no seu lugar. Porque a nossa preocupação primária eram as coisas materiais: dinheiro, gozar a vida, fama… e a nossa alma vinha sempre em último lugar».
Reparem que estamos a falar de cristãos que iam à igreja aos Domingos, mas tinham um pé na Igreja e o outro firmemente colocado no Mundo, vivendo uma vida pecaminosa, de vícios e tudo o resto.
Assim, fica claro que as perseguições e a morte – esse contacto permanente com a morte – os abalou. Por aqueles lados convivemos com a morte… as pessoas que vemos agora, já cá não estarão amanhã. Um dia será “ele”, noutro dia “ela”… Vai-se dormir à noite, quando os bombardeamentos são intensos, e pensa-se: “posso não acordar amanhã. Este pode ser o meu último dia!”.
Na Síria pensa-se na morte, eu não digo todos os dias, mas muitas vezes ao dia. É o que eles dizem: «a vida é curta». Naturalmente, a vida é curta. E isto não é uma piada. A vida é curta, com a morte…
O que eu estou a dizer-vos não é novo. “Oh, o povo da Síria morre! Que coisa estranha, o povo da Síria morre!”. Mas todos nós morremos. Todos nós! Quantas vezes pensamos na morte? Quantas vezes? Somos cristãos e foi-nos ensinado nos sermões. Na missa meditamos sobre este assunto, lemos sobre isso. Mas se pensarmos, quantas vezes, nos últimos 30, 50, 80 anos da minha vida, tive algum pensamento sério sobre o facto de que um dia eu irei morrer? Que até pode acontecer hoje? É uma ideia que pode alterar a nossa forma de viver.
Irmã Maria da Guadalupe Rodrigo
(Tradução: Pe. José Mario Mandía e António R. Martins)