A difamação como estratégia
A respeito da mais recente tentativa australiana de se apoderar dos recursos de Timor-Leste, ocupando ilegalmente uma vasta área do Mar de Timor – que, de resto, teve resposta à altura, com milhares de manifestantes a concentrarem-se em frente da representação diplomática de Camberra em Díli, gritando o seu protesto – e antecipando já previsíveis futuras campanhas difamatórias, recordemos aqui algumas anteriores tentativas de denegrir a jovem nação, pois essa tem sido a estratégia utilizada pelo gigantesco vizinho do Sul.
Em Maio de 2002, por ocasião das celebrações da independência da jovem nação, um artigo de opinião no jornal Age retratava Timor como “um Estado falhado” que herdara “o pior do fascismo português, do autoritarismo indonésio e do pós-colonialismo marxista moçambicano”. (O mesmo Age que a 18 de Agosto do corrente ano sugerira que Xanana Gusmão estaria envolvido na queda do Governo de Alkatiri, e que até teria dado ordem de disparo aquando os confrontos entre as forças da polícia e do exército).
Em Dezembro de 2002, na sequência dos motins na capital maubere, a imprensa australiana voltava à carga, denotando uma redobrada ignorância acerca do sistema político e da sociedade timorense, com uma série de artigos que seriam reproduzidos nas páginas em Inglês do jornal local Suara Timor Lorosae, contribuindo assim para a difusão de equívocos em todo o País. E o terreno era fértil, pois a ausência de efectivos Meios de Comunicação e de um sistema de transportes decente, que a ONU falhara em implementar, propiciara isso mesmo.
Não era a primeira vez que a imprensa australiana utilizava a calúnia. O editorial de 5 de Julho de 2001 do The Australian, comentando os preparativos para a independência levados a cabo pelo Conselho Nacional da Resistência Timorense, sugeria que o Inglês e o Bahasa Indonésio deveriam ser as línguas oficiais. O Português era declarado como língua “não apropriada” e o Tétum não merecia qualquer menção. Em Abril de 2002, quando a decisão tinha já sido tomada, o mesmo jornal classificava o acto de “colonial e um passo atrás na evolução do País” pois beneficiava a elite política que estaria a utilizar o factor língua para impedir o acesso ao poder dos seus oponentes.
Antony Funnell, jornalista “freelancer” que desempenhara em tempos um cargo de relevância na cadeia televisiva ABC, não hesitava até, numa das suas reportagens, em dividir o País entre “uma elite rica falante do Português e os pobres falantes de Tétum e Bahasa”, e acusava Portugal de exercer influência de carácter colonial, mencionando ainda um “sentimento de ressentimento” entre os timorenses em relação a Portugal.
Também o Sydney Morning Herald, em Agosto de 2002, num artigo assinado por dois colunistas (um deles, Fernando Freitas, com nome bem português) sugeria que “a imposição do idioma português” era “nostálgica e imbecil”, considerando-a totalmente incompreensível, “pois é rejeitada pelo juventude, educada segundo os padrões indonésios”.
Enfim, um Fernando Freitas que certamente faria parte da elite que recebeu favores durante o regime indonésio e que entrava na estatística dos 18 por cento de timorenses que apoiavam a integração…
É claro que alegações deste teor, que da imprensa se estenderam à rádio e à televisão, tiveram as respostas que mereciam, embora estas nunca tenham sido publicadas nos jornais. Geoffrey Hull, do Instituto Nacional de Linguística da Universidade Nacional de Timor, mostrava ser o mais incansável denunciador daquilo que designava de “inverdades anglo-fónicas”. Este investigador australiano estava à frente de um projecto de literatura e era o autor de um dicionário de Tétum com mais de 24 mil entradas.
Geoffrey Hull criticava, para além das calúnias, o facto de os jornalistas australianos serem incapazes de escrever correctamente os nomes em Português, e em vez disso escreverem “Gutierrez em vez de Guterres, Manual em vez de Manuel, Liquicia em vez de Liquiçá”.
Numa outra resposta sua, desta vez a um virulento artigo de Alfread Deakin, antigo Primeiro-Ministro australiano, publicado no London Morning Post, em Setembro de 2002, Hull recordava que “quem está familiarizado com a História” sabe que a língua portuguesa, ao contrário do Holandês, “sempre foi preponderante para a identidade nacional do País” e que a sua adopção fazia já parte do programa do Governo da Fretilin em 1975. Nesse artigo Deakin, entre outras coisas, afirmava que a elite timorense não falava o Tétum e que o Governo local tinha contratado, com “grandes gastos”, dezenas de professores portugueses, “alojando-os no maior dos confortos”, para ensinar os timorenses “a sua nova língua nacional”.
Por sua vez, Helen Hill, socióloga da Universidade de Sidney, especialista em assuntos timorenses denunciara, num artigo publicado na Arena Magazine de Melbourne, aquilo que considerava serem “mitos embutidos nas mentes de jornalistas estrangeiros mas que não correspondem à realidade social do País”. E, em jeito de resposta à tradicional condescendência das autoridades australianas, que aconselhara os seus a “reconsiderar a necessidade de viajar para Timor Leste”, Hill recordava que Portugal, o Japão ou a União Europeia tinham por hábito investir bastante mais dinheiro em projectos ligados a Timor do que a Austrália, apesar da proximidade geográfica.
Acordo entre a Santa Sé e Timor-Leste (Caixa)
Quinta-feira, 3 de Março, Sala dos Tratados do Palácio Apostólico do Vaticano. O cardeal D. Pietro Parolin, secretário de Estado, e Rui Maria de Araújo, Primeiro-Ministro de Timor-Leste, procederam ao intercâmbio dos instrumentos de ratificação do Acordo, assinado em Díli a 14 de Agosto de 2015, entre a Santa Sé e Timor-Leste, que estabelece de modo estável o quadro jurídico das relações quer entre a Santa Sé e Timor-Leste, quer entre a Igreja Católica e o Estado timorense.
Estavam presentes na cerimónia solene, por parte da Santa Sé: o monsenhor Antoine Camilleri, subsecretário para as Relações da Santa Sé com os Estados; monsenhor Francesco Cao Minh Dung, monsenhor Robert Murphy e monsenhor Massimiliano Boiardi, oficiais da Secção para as Relações com os Estados. Por parte de Timor-Leste: Aderito Hugo da Costa, vice-presidente do Parlamento Nacional; Roberto Sarmento de Oliveira Soares, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação; Egas da Costa Freitas, embaixador junto da Santa Sé; e Armindo Pedro Simões, director para a Europa, África e Médio Oriente junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação.
Com o intercâmbio dos instrumentos de ratificação o Acordo, constituído por um preâmbulo e 26 artigos, entra em vigor, em conformidade com o artigo 26.
Joaquim Magalhães de Castro
In L’Osservatore Romano