Mãe que nunca desistiu do filho, Santo Agostinho
No dia 27 de Agosto, a Igreja Católica celebra a festa litúrgica de uma mulher, uma santa, que foi também mãe de um santo. Referimo-nos a Santa Mónica de Hipona, santa desde antes de existir uma congregação vaticana para a causa dos santos. Nasceu em 331 ou 332, em Tagaste, actual Souk Akhras, na Argélia. Faleceu em Itália, no que é hoje Ostia, na foz do rio Tibre, corria o ano de 387. A sua sepultura acha-se na capela homónima na basílica de Santo Agostinho, no Campo de Marte, em Roma, a poucos metros da igreja de Santo António dos Portugueses.
A sua família era cristã, já de algumas gerações. Os pais, berberes romanizados (falavam Latim), confiaram a formação das filhas a uma mulher cristã, alguns dizem que criada da família, uma pessoa muito religiosa e rigorosa na disciplina. Mais tarde foi baptizada, depois do catecumenato. O matrimónio veio depois, no que se revelaria o seu flagelo de vida. Patrício, o esposo, era um militar romano, decurião, mas pagão. Depois da comissão militar, tornou-se um pequeno latifundiário. O adultério era frequente no marido, libertino e homem bruto e violento. Todavia, apesar de não gostar da fé e das piedosas práticas de Mónica, de esmola e caridade, não a tratava mal, embora fosse adúltero. Era um jogador inveterado, sem espiritualidade. Estiveram casados trinta anos, de suplício para Mónica, apesar dos três filhos nascidos do matrimónio. O mais velho chamava-se Agostinho (354-430), os outros dois eram um rapaz, Navígio, e uma rapariga, Perpétua. Os dois mais novos deram alegrias à mãe, ao contrário do mais velho, causa de sofrimento de Mónica, tal como o progenitor. Este, apesar do mau temperamento, nunca levantou a mão a Mónica, que ouvia o espanto de outras mulheres, que tinham maridos com melhor humor, mas que lhes batiam… Mónica dizia que para discutir e haver violência eram precisas duas pessoas, pelo que ela assim demitia-se de fazer frente e ripostar ao marido, que ficava sozinho a barafustar. Mónica rezava pelo marido e por ele oferecia sacrifícios.
Em 371, Mónica conseguiu converter o marido ao Cristianismo, tal como sucedeu com a sogra. Mas Patrício viria a falecer pouco tempo depois, deixando a viúva em situação difícil, principalmente devido ao filho mais velho. Este estava a estudar em Cartago, Filosofia, Literatura e Oratória. Os pais reconheceram-lhe uma grande inteligência e esforçaram-se para que fosse estudar. O pai queria que Agostinho brilhasse nos estudos para seguir uma carreira. Vaidoso, Agostinho, pagão, caiu numa vida dissoluta e em erros sucessivos. Doente, sentindo a fraqueza, quis-se tornar cristão, mas mal adveio a cura, renegou a promessa e a fé, para tristeza da mãe. O seu comportamento afligia Mónica, que vivia em tormentos. O maniqueísmo, uma heresia, foi abraçada por Agostinho: o mundo não tinha sido feito por Deus, mas pelo diabo, juravam os fiéis desta heresia.
Mónica era piedosa e bondosa, mas era forte e determinada. Perante a má conduta do filho, certa vez, quando ele regressava a casa para férias, fechou-lhe as portas, afirmando que não abrigava debaixo do seu tecto e dentro das suas portas os inimigos de Deus.
Certa noite, Mónica teve um sonho intrigante: achava-se numa floresta a chorar pela perda espiritual do filho Agostinho, quando uma resplandecente personagem se aproximou dela e lhe disse “o teu filho voltará para ti”, tendo visto logo Agostinho. Mónica relatou o sonho ao filho e este respondeu, cheio de vaidade e orgulho, que tal significava que ela então se tornaria maniqueísta, como ele. Ao que Mónica respondeu: “No sonho não me contaram que a mãe iria para o filho, mas que o filho voltará para a mãe”. A hábil resposta impressionou muito Agostinho, que mais tarde consideraria a visão uma inspiração do céu. Tanto rezou pela conversão do filho, tantos sacrifícios e esforços fez, que este viria a ser amolecido pela piedade da mãe, convertendo-se em 387, aos 33 anos, curiosamente, como Jesus na Cruz… Mais tarde, Agostinho dirá que foi “o filho das lágrimas de sua mãe”, pelos desgostos que lhe infligira no seu paganismo militante. Era impossível que o filho de tantas lágrimas se perdesse, disse um dia um bispo a Mónica, acalmando-a em relação à conversão do filho.
Antes, em 383, tinha Agostinho 29 anos, Mónica, na sua tenacidade, acompanhou o filho a Roma, onde ele fora leccionar, sendo já um mestre. Mas por engano, ele seguiu, ela ficou! Mas mais uma vez Mónica não desistiu e foi atrás do filho. Seria mais tarde, como vimos, que Agostinho se converteu. Por acção do bispo da cidade, Ambrósio, grande doutor da Igreja e grande figura de bondade e ternura, um sábio que conseguiu, com Mónica, transformar Agostinho. Este venerava Ambrósio, primeiro intelectualmente, depois com devoção. Na Páscoa de 387 nascia um novo cristão, um dos que seria um dos pilares da sabedoria e da filosofia de todos os tempos. Por ele esteve sempre uma mulher, a sua mãe – corajosa, persistente, lutadora, a acreditar, sem desistir. Uma verdadeira mãe, assim foi Mónica. Desejando ambos regressar à África natal, a Tagaste, dirigiram-se, mãe e filho, a Ostia, porto de Roma, para seguirem em navio. Mas Mónica não viria a partir, a vida de luta exaurira-lhe as forças e abriu as portas à doença. Acometida de febre, morreria, ao lado do filho por quem lutara toda a vida, naquele ano de 387, aos 55 anos. Vale a pena recordar Mónica, como mãe, esposa, nora, mulher e como cristã.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa