Para um cristão, a graça é a força fundamental para a sua auto-realização como pessoa humana, criatura de Deus, e principalmente como filho de Deus e irmão de todos os homens. A graça é o dom dos dons: um dom totalmente imerecido e gratuito. O justo recebe de Deus o dom criado da graça com o dom incriado do Espírito Santo (a habitação da Santíssima Trindade), como está claramente expresso no Apocalipse.
O Espírito Santo (vivemos na época do Espírito Santo) ilumina-nos e leva-nos a conhecer e a fazer o que é justo (cf. A. Royo Marin, in “Somos filhos de Deus”). O Espírito Santo inspira-nos também indirectamente. Como? Através de vários instrumentos, como os anjos da guarda, os pregadores, os bons livros, os amigos, a cruz! Nossa Senhora, a Mãe Maria, ajuda-nos de uma forma única – acima de todos os santos, e depois de Cristo: ela é a “cheia de graça”.
No estado actual da nossa natureza ferida, precisamos da graça de duas maneiras: a nível natural, para podermos fazer todo o bem possível da natureza (graça curadora), e a nível sobrenatural, para sermos elevados ao nível de Deus como Deus (graça elevadora).
Deus quer a salvação de todos, e Cristo morreu por todos. Assim, Deus obrigou-se a dar a todos as graças suficientes. Ninguém poderá dizer: “Senhor, não me deste as graças suficientes para alcançar a salvação”. A graça divina estava e está disponível para todos: “Deus prodigalizou uma profusão de graças e bênçãos, e continua a dar graças suficientes a todos para a nossa salvação. Há uma variedade de graças – de vocações e carismas, mas todos têm graças suficientes e mais do que suficientes para salvar a sua alma. (…) Cada uma tem o seu valor, o seu encanto, a sua alegria, enquanto o conjunto destas variações constitui a beleza na sua forma mais graciosa” (São Francisco de Sales, in “O Amor de Deus”).
Cristo é o único mediador de todas as graças: antes da sua Encarnação, por antecipação; depois da sua Paixão e morte, por derivação. Todas as graças brotam de Cristo: da sua Humanidade, como instrumento conjunto; dos Sacramentos, como instrumentos separados. Até ao fim dos tempos, o Espírito Santo fará fluir a graça de Cristo na Igreja e no mundo.
Como seres humanos livres, podemos dizer não a Deus – Ele respeita a liberdade que nos deu –, e assim cometer o pecado, que é uma traição à graça e ao amor de Deus. Ninguém se pode vangloriar verdadeiramente dos bons trabalhos ou das boas acções que realiza: “Que tens tu que não tenhas recebido? E se o recebeste, por que te vanglorias como se não fosse um dom?” (cf. 1 Cor., 4, 7). Os nossos méritos, escreve Santo Agostinho, “são dons de Deus” (Catecismo da Igreja Católica nº 2009). Com a graça e os dons de Deus, podemos “merecer” a glória eterna, o aumento da graça e – só se for útil no caminho para o céu – os bens temporais. Deus ama e pede a nossa livre colaboração. Há muitos textos na Bíblia que falam de recompensa pelo trabalho bem feito: Há uma recompensa pelo teu trabalho (cf. Jr., 31, 16); “Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, começando pelos últimos e acabando nos primeiros” (cf. Mt., 20, 8; 1Cor., 3, 8). As parábolas de Jesus das Dez Virgens, dos Talentos e do Juízo Final falam de diferentes recompensas ou méritos de Deus.
Temos de ser fiéis à graça divina: “Pela graça de Deus sou o que sou, e a sua graça para comigo não foi em vão. Pelo contrário, esforcei-me mais do que qualquer um deles, embora não fosse eu, mas a graça de Deus que está comigo” (cf. 1Cor., 15, 10). A fidelidade à graça é “a lealdade ou docilidade em seguir as inspirações do Espírito Santo sob qualquer forma que Ele se manifeste” (A. Royo-Marin).
Ser fiel à graça de Deus leva-nos a crescer na graça. Lembre-se: Deus dá o aumento da fé, da esperança e do amor – e outros dons – “em proporção ao uso que fazemos da sua graça”. A nossa cooperação é, portanto, “essencial” (São Francisco de Sales).
Podemos saber se estamos em estado de graça? São Tomás de Aquino afirma que o conhecimento do estado de graça é possível por revelação (privilégio especial de Deus), por certeza (não é possível), ou por conhecimento conjectural, quando estão presentes estes critérios: (1) há alegria em Deus; (2) há desprezo das coisas mundanas; (3) não se tem consciência de estar em pecado mortal (I-II, 112, 5).
Por meio de Cristo, a graça baptismal pode crescer e desenvolver-se de três maneiras: através dos Sacramentos, da Prática das Virtudes Infusas e da Oração de Petição.
Crescimento na graça através dos Sacramentos: Os Sacramentos são sinais sensíveis, instituídos por Jesus, para significar, fortalecer e aumentar a graça santificante naqueles que os recebem dignamente. A sua recepção digna ajuda-nos a tornarmo-nos mais plenamente filhos adoptivos de Deus.
Crescimento na graça através da Prática das Virtudes Infusas centradas na caridade: O nosso motivo sobrenatural (pelo menos virtual e actualizado frequentemente) deve ser o amor de Deus e do próximo. Para crescer em graça, praticamos actos mais intensos de virtudes. Neste contexto, portanto, o que conta não são tanto as “coisas” que fazemos, ou as orações que recitamos, mas o porquê e o como as fazemos. “Não construamos torres sem bases; o Senhor não olha tanto para a grandeza das obras, mas para o amor com que se fazem” (Santa Teresa de Ávila, in “Castelo Interior”).
Crescimento na graça através da Oração de Petição: A oração – quando é um acto informado pela caridade – merece. Só pela Oração de Petição, quando não vivificada pela caridade, podemos obter da misericórdia de Deus o aumento das Virtudes Infusas e os Dons do Espírito Santo – que aperfeiçoam as Virtudes Infusas –, e a perseverança final (que é absolutamente gratuita).
Podemos também crescer em graça subindo a escada da oração: oração vocal, mental, contemplativa e unitiva. Uma descrição maravilhosa do desenvolvimento da graça encontra-se no “Castelo Interior” de Santa Teresa de Ávila, onde explica as sete mansões da alma a caminho do matrimónio espiritual e da união mais profunda com Deus.
E para terminar! A graça é “uma semente divina” (cf. 1Jo., 3, 9) que temos de regar, alimentar e cuidar ao longo da vida. Um jovem entrou numa loja muito bem iluminada, que assim anunciava: “Tudo o que desejares”. Pediu então ao anjo que geria a loja: “Desejo o fim de todas as guerras, justiça para os explorados da terra, tolerância e generosidade para com todos os estrangeiros, amor profundo nas famílias, trabalho digno para todos os desempregados, e… e…”. O anjo interrompe-o amavelmente: “Desculpa, meu jovem, acho que não me entendeste. Aqui, não vendemos frutos, só vendemos sementes”. Só sementes! Graça e graças: sementes divinas!
Pe. Fausto Gomez, OP