Salgari e os seus heróis portugueses

Aventuras em todos os continentes

Os heróis portugueses de Salgari espalham-se pelos cinco continentes e pelos sete mares, povoando vários dos romances do escritor, que em Portugal deram à estampa graças à editora Romano Torres. O continente americano é palco de excelência das aventuras saídas da prodigiosa imaginação do italiano.

Em o “Homem do Fogo” é romanceada a vida de Diogo Álvares Correia, figura histórica que ficou conhecida entre os índios brasileiros como o Caramaru, “pau de fogo”, pois foi ele o primeiro homem que eles viram disparar uma espingarda. Salgari descreve-o da seguinte maneira: «Diogo Álvares Correia, que tão grande parte havia de tomar na colonização do Brasil, e pelas suas aventurosas proezas tanta curiosidade havia de despertar na corte de Portugal e na de Henrique II de França, nascera em Viana do Castelo, pela época em que toda a Europa estava impressionada com os prodigiosos descobrimentos na América e com as audaciosas empresas dos portugueses nas Índias Orientais».

Referindo as dificuldades deste tipo de empreendimentos, Salgari nota que «uma viagem de cinco e seis meses não assustava os marinheiros portugueses nem castelhanos, habituados que estavam a fazer a travessia até à Ásia e América em barquinhos insignificantes que hoje nem sequer se atreveriam a sair do Mediterrâneo».

Na “Ilha dos Sargaços”, Dom Fernando de Ulmo, rico fidalgo de Lisboa, deixa toda a sua riqueza e, a bordo de uma caravela, atinge «a lendária ilha das Sete Cidades resplandecente de ouro que possuía palácios de mármore e castelos que lembravam a arquitectura portuguesa de muitos séculos atrás». Entre os livros de Salgari que nunca mereceram (!?) tradução para Português, estão o “Il Faro di Dhoriol”, cuja trama tem lugar na nossa costa «à entrada do Tejo, o rio mais importante do país, em cujas margens se encontra a bela e opulenta Lisboa» e que tem como herói um simples mas bravo faroleiro chamado João Miguel; o “Il Re Della Pratera”, onde assistimos às aventuras do marquês de Almeida, por entre as plantações de açúcar brasileiras e os grandes espaços do México; e, finalmente, o “Nelle Floreste Vergini” onde o herói, Antão Cordeiro, é seringueiro e enfrenta todos os perigos que se ocultam nas densas florestas do Mato Grosso.

O enredo do “Dramas da Escravatura”, publicado em Roma em 1896, centra-se na costa africana que é escrutinada pelo navio Guadiana que tem ao seu comando o capitão Alves «um dos mais audaciosos negreiros que por esse tempo sulcavam o Atlântico», acompanhado nas suas andanças pelo contramestre Furtado, o médico Estevão e o jovem Vasco. Juntos embrenham-se no Congo e pelas terras do rei do Bango, no Gabão.

Também em África, desta vez na Costa do Marfim, decorre a acção do romance “La Costa d´Avvorio” (também sem tradução para Português) que tem como herói o caçador Antão de Carvalho. Ele e o seu melhor amigo, o italiano Alfredo Lusardo, enfrentam amazonas negras e entram na cidade santa de Dahomé disfarçados de embaixadores do Bongú. Os seus carregadores negros envergam «ricos calções brancos, cintas vermelhas, mantos cheios de arabescos, lenços de seda de cores vivas e armadas de carabinas. Para eles próprios reservaram os dois aventureiros os dois melhores cavalos que foram adornados de guarnições vermelhas e ricas gualdrapas recamadas de ouro. E duas umbrelas encarnadas, guarnecidas de franjas, distintivos das personagens reais». Antão de Carvalho, fazendo jus à reputação do português miscegenador de raças, é acompanhado por Urada, uma guerreira local muito bela que no fim da aventura acompanha o português de regresso ao solo pátrio.

Na Austrália decorre o romance “O Continente Misterioso”, cujas figuras centrais são os marinheiros Diogo e Cardoso, cúmplices na aventura de um excêntrico cientista paraguaio. A trama da “Cimitarra de Buda” tem lugar em Maio de 1858 numa festa da feitoria dinamarquesa da China, «na ilha da foz do Si-Kiang». Nessa festa, abrilhantada por uma orquestra portuguesa mandada vir expressamente de Macau, estão vários jogadores, entre os quais o português Olivais. Escreve Salgari que eram «todos ricaços que ganhavam ou perdiam somas respeitáveis sem pestenejar».

Também nos mares da China decorre a acção do “I Solitari di Oceano”. Tem como figuras centrais os irmãos João e Cirilo Ferreira, passageiros do Alcião «cujo comandante e proprietário era um capitão Carvalho, um gigante que fazia tremer toda a tripulação apenas com um olhar».

Uma reedição ou edição de todo este (e outro) manancial de relatos de aventuras seria uma óptima forma de cativar as crianças e jovens portugueses para a leitura e ao mesmo tempo fazerem-nos apaixonarem-se pela história do seu país. É que não existe, nem existiu em Portugal ninguém na área das letras que contribuísse através do romance juvenil para a divulgação das mais fascinantes personagens da nossa história, mesmo que muitas delas, como é o caso, sejam ficcionadas.

Joaquim Magalhães de Castro

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