Saint Thomas [Tomás] More

Em defesa da liberdade da Igreja

«Sois minhas testemunhas de que eu morro na fé e pela fé da Igreja de Roma e morro fiel servidor de Deus e do rei, mas primeiro de Deus. Rogai a Deus a fim de que ilumine o rei e o aconselhe». São estas as últimas declarações deste santo inglês, um defensor da ética política e da liberdade da Igreja perante o Estado. A sua fé e dignidade formes valeram-lhe o martírio, porém, mas também a santidade, além de proclamado Padroeiro dos Políticos, por São João Paulo II em 2000.

Thomas More nasceu em Chelsea, Londres, na Inglaterra, a 7 de Fevereiro de 1478 (ou 1477). Pertencia a uma família devota, na qual seus pais pretendiam que os filhos fosse educados de forma cristã. Com treze anos de idade, Thomas foi trabalhar como mensageiro do arcebispo de Cantuária, o qual logo teve uma clara noção da sua brilhante inteligência, pelo que o pôs a estudar na Universidade de Oxford. Era filho do juiz Sir John More, investido cavaleiro por Eduardo IV, e de Agnes Graunger.

O pai apoiou a educação de Thomas, mas mandava apenas o dinheiro indispensável para os seus gastos. Thomas confirmou em Oxford a antevisão do arcebispo de Cantuária, pois com 22 anos apenas era já Doutor em Direito e um professor de créditos conhecidos. Figura intelectual, era culto, leitor apaixonado e de escrita fácil, apesar de não ter muito dinheiro e ser de hábitos austeros e simples. Os seus contemporâneos recordam a sua simpatia, bom humor e educação, mas também uma fé arrebatadora e convicta.

 

A solidez da fé

“A sua sensibilidade religiosa levou-o a procurar a virtude através duma assídua prática ascética: cultivou relações de amizade com os franciscanos conventuais de Greenwich e demorou-se algum tempo na Cartuxa de Londres, que são dois dos focos principais de fervor religioso do Reino. Sentindo a vocação para o matrimónio, a vida familiar e o empenho laical, casou-se em 1505 com Joana Colt, da qual teve quatro filhos. Tendo esta falecido em 1511, Thomas desposou em segundas núpcias Alice Middleton, já viúva com uma filha. Ao longo de toda a sua vida foi um marido e pai afectuoso e fiel, cooperando intimamente na educação religiosa, moral e intelectual dos filhos. A sua casa acolhia genros, noras e netos, e permanecia aberta a muitos jovens amigos que andavam à procura da verdade ou da própria vocação. Além disso, na sua vida de família dava-se largo espaço à oração comum e à “lectio divina”, e também a sadias formas de recreação doméstica. Diariamente, Thomas participava na Missa na igreja paroquial, mas as austeras penitências que abraçava eram conhecidas apenas dos seus familiares mais íntimos”, assim o retrata João Paulo II, seu confesso admirador, definindo Thomas como um expoente da santidade na vida, no trabalho, na sociedade, na política e no Estado.

Trocou o fausto, luxo e intrigas da Corte pela família, o lar e os necessitados, os pobres, além das bibliotecas e dos “studia”, onde o seu génio inspirado e activo produziu obras fundamentais, como a “Utopia”, em 1516, opus magna da literatura universal, ainda hoje estudada.

 

A vida política

Em 1504, no reinado de rei Henrique VII, foi eleito pela primeira vez para o Parlamento, renovando-se em 1510 o mandato, já sob Henrique VIII. Este monarca nomeou-o ainda representante da Coroa em Londres, abrindo-lhe os caminhos de uma carreira notável na Administração Pública. Representou ainda a Inglaterra em missões diplomáticas na Flandres e na França, sob nomeação régia. Foi depois nomeado Conselheiro da Coroa, juiz presidente de um tribunal importante, vice-tesoureiro real e Cavaleiro, chegando em 1523 a porta-voz (Presidente) da Câmara dos Comuns.

Era conhecido pela sua indefectível integridade moral, agudeza do seu engenho, alegria e simpatia, pela sua erudição extraordinária, reconhecidos amplamente pelo rei, que o nomeou em 1529 Chanceler do Reino. Foi o primeiro leigo a ocupar este cargo, para mais num período político e económico difícil na Inglaterra. Mesmo assim Thomas nunca virou a cara e lutou por enfrentar problemas e livrar o Reino de tal situação. Foi sempre fiel aos seus princípios, empenhando-se na promoção da justiça e no impedimento da influência nefasta de quem procurava os seus próprios interesses em detrimento dos mais fracos e do bem comum.

Todavia, a sua integridade e coerência não foram bem entendidos, mesmo que firmemente nunca tenha abdicado de tais princípios. Em 1532, com efeito, não quis dar apoio a Henrique VIII, que queria assumir o controlo da Igreja em Inglaterra. Demitiu-se, para não pactuar com tal projecto. Tudo começara em 1530, quando Henrique VIII se quis divorciar de Catarina de Aragão, para se casar com a cortesã Ana Bolena. Criou-se assim um debate, divisões, com o rei a obrigar o Parlamento a curvar-se perante si e seus intentos. Todos, menos Thomas More. E John Fisher, recorde-se.

 

Integridade até ao fim

Retirou-se então da vida pública, aceitando sofrer com a sua família a pobreza, o abandono de tantos que antigamente o elogiaram e dele se aproximaram, mas que agora revelavam a falsidade e a ignomínia. Thomas manteve-se fiel à sua consciência, firme nos seus princípios e contra quaisquer compromissos que os traíssem. O rei mandou-o encarcerar, na Torre de Londres, em 1534. A pressão psicológica foi imensa, no cárcere, mas Thomas manteve-se íntegro e firme, recusando jura o que lhe impunham, pois entendia – com razão – que se o fizesse iria pactuar com uma situação política e eclesiástica erradas e propícias a um despotismo abusivo e descontrolado.

Manteve, no processo jurídico contra si, as suas convicções contra a indissolubilidade do matrimónio, o respeito pelo património jurídico inspirado em valores cristãos e a liberdade da Igreja perante o Estado. O tribunal, porém, condenou-o à morte, como traidor. Foi assim decapitado, a 6 de Julho de 1535, duas semanas depois de John Fisher (22 Junho).

Thomas recusou renegar a religião católica, até de fugir de Inglaterra, até perante clamores de familiares. Mantivera-se alegre e sereno até ao fim, deixando aos juízes e verdugos esta mensagem: “Possamos todos depois felizmente no céu reunir-nos para a salvação eterna”.

Leão XIII beatificou-o em 1886 em Florença, sendo canonizado em Roma por Pio XI, em 1935. A Igreja Católica festeja-o, juntamente com John Fisher, a 22 de Junho. A Comunhão Anglicana celebra-o a 6 de Junho. Thomas More e John Fisher ajudaram-se mutuamente no cárcere para resistir a tudo e acima de tudo manterem-se fiéis a Cristo e à Igreja.

Um exemplo para todos, governantes e políticos, principalmente, sobre a coerência e integridade.

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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