Ricardo Conceição

Memórias? Que sejam do passado!

A imagem da Baía da Praia Grande, com as suas casas e palacetes, com a água e a azáfama que ali se vivia, é algo que nunca irá esquecer e que trouxe consigo quando deixou Macau da primeira vez. Corria o ano de 1960, mais concretamente o mês de Novembro, quando no território o clima é ameno e prazenteiro e as pessoas saem à rua ao fim do dia.

Ricardo Conceição, ou doutor Ricardo Conceição, tinha dezassete anos e rumou à “metrópole” para cursar aquilo que o viria a tornar conhecido. A Praia Grande, que se acostumou a ver quase diariamente quando se apaixonou pelo ténis – fê-lo ser um frequentador assíduo do Ténis Civil – era uma zona muito familiar, que gostava de apreciar quando ia à Taipa ou a Coloane. A par dessa recordação visual, guarda também a vista perto da sua última morada no território, no Ramal dos Mouros, onde ainda era possível ver o reservatório, o mar na zona do Porto Exterior e o canal de navegação para Hong Kong.

Ricardo Conceição era um menino do Ramal dos Mouros, que tinha também vivido na Rua do Campo e na Rua de São Miguel, na freguesia da Sé. Depois de uma meninice bem vivida, com todas as liberdades da época, embora também com as restrições que eram comuns na sociedade de Macau, e depois de ter sido um bom aluno no antigo Liceu Nacional, embarcou para Portugal para ingressar no curso de Medicina na Universidade de Coimbra, onde depois se viria a especializar em Medicina Interna, fazendo a sua carreira inicialmente nos Hospitais da Universidade de Coimbra e depois no Hospital dos Covões.

O regresso à terra natal só se concretizou já depois de formado. Em Macau cumpriu serviço militar como alferes, médico militar, em 1972. Acabou por viver o 25 de Abril no território e regressou a Portugal em Março de 1975, «dias antes da Intentona de 11 de Março, a tentativa de golpe de Estado dirigida por António de Spínola», recorda Ricardo Conceição. Nesse mesmo ano regressava à cidade onde se formara para dar início à vida profissional na condição de civil. Por ali permaneceu, exercendo Medicina Interna no Hospital dos Covões, do lado sul do rio Mondego.

O desporto da sua vida, o ténis, seguiu-o para Portugal e seria este que o levaria novamente à terra que o viu nascer. Em 1993, quase vinte anos depois de ter regressado a Portugal, foi convidado para ir a Macau com o propósito de jogar ténis num evento que iria colocar frente a frente uma equipa de macaenses residentes em Portugal e outra de chineses de Macau. Tratou-se de uma prova amigável, organizada pelo seu tão querido Ténis Civil, que tão bem conhecia dos tempos de juventude.

Nessa ocasião ficou desiludido com Macau. A imagem que guardava de uma vida fácil, onde todos se conheciam, onde tudo era de fácil acesso e não havia complicações, tinha desaparecido. Estava tudo muito mais “frio”, as relações eram mais distantes, Macau tinha deixado de ser uma grande família em que todos se conheciam. No entanto, durante o evento a camaradagem entre todos foi sempre excepcional.

As noites de Verão da Rua de São Miguel, em que todos vinham para a rua aproveitar o fresco do final do dia, as brincadeiras das crianças e as conversas dos mais velhos sentados em cadeiras à beira da estrada, haviam desaparecido. «As pessoas estavam mais distantes, mais individualistas», salienta, referindo, por exemplo, que já nessa altura «os taxistas eram mais agressivos». «Em 1993 já se notava que as pessoas estavam cada vez mais focadas em fazer dinheiro e isso descaracterizou Macau», acentua.

Durante os dez dias que passou no território reviu lugares e amigos, assim como conviveu com a comunidade chinesa local, de que guarda boas recordações.

Na passagem por Macau, em serviço militar, teve uma experiência no Centro Hospitalar Conde de São Januário e foi delegado de saúde da Taipa. O trabalho no hospital público em muito contribuiu para que decidisse voltar a Portugal. A falta de qualidade das instalações, aliada ao facto de ainda não ter terminado a especialidade, fê-lo voltar a Coimbra apesar de lhe terem oferecido uma vaga no hospital. Segundo nos contou, o governador Garcia Leandro chegou mesmo a abordar a mulher de Ricardo Conceição, pensando que o regresso a Portugal era uma vontade da senhora. Esta esclareceu que quem queria voltar era mesmo o marido.

Houve ainda uma outra tentativa de o persuadir a ficar em Macau, desta vez por parte do director dos Serviços de Saúde. Ofereceram-lhe a possibilidade de fazer a especialidade noutro país, como viria a suceder com outros médicos na época, mas Ricardo Conceição não cedeu e regressou a Portugal.

Em Macau residem uma irmã, primos maternos e outros familiares que visitou, da última vez, há cinco anos, numa viagem que o deixou muito confuso. A Taipa, onde foi delegado de saúde e que pensava conhecer muito bem, estava completamente diferente.

Resignado, reconhece que é parte do progresso mas que Macau acabou por perder muito da sua identidade.

«Já não volto, prefiro ficar com a ideia daquilo que Macau era», conclui Ricardo Conceição com um ar triste.

João Santos Gomes

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