RICARDO ARAÚJO PEREIRA

RICARDO ARAÚJO PEREIRA, HUMORISTA

«Já é raro a Igreja levantar cabelo por causa de alguma coisa»

A Igreja Católica está cada vez mais aberta ao humor que se faz em Portugal, mesmo quando é visada pelo escárnio ou pela ironia dos humoristas. A garantia foi avançada recentemente por Ricardo Araújo Pereira, durante um encontro com a Imprensa em que abordou, entre outros aspectos, as dificuldades de se fazer comédia em Portugal.

Fundador do colectivo “Gato Fedorento”, o humorista actuou no fim-de-semana passado em Macau, onde trouxe o espectáculo “Uma conversa sobre assuntos”, iniciativa com que se associou à vaga de solidariedade que varreu Portugal na sequência dos devastadores incêndios de 2017.

Durante uma conversa com a Comunicação Social, que se prolongou por mais de uma hora, Ricardo Araújo Pereira abordou alguns dos tabus que ainda persistem em Portugal em relação à comédia e recordou o último grande episódio de atrito que manteve com a Igreja Católica portuguesa. «A última vez que isso aconteceu foi na altura de José Sócrates. Ele estava a tentar convencer-nos a todos que a salvação do País estava num computador chamado “Magalhães”, que ele andava a vender pelo mundo inteiro. Como o Magalhães era o salvador, nós fizemos uma eucaristia em que o Messias era o Magalhães», lembra o humorista.

O “sketch” suscitou uma resposta amarga por parte da Conferência Episcopal Portuguesa, que defendeu à época que «uma coisa é fazer humor com as ondas do mar, outra coisa é fazer humor com a Eucaristia». Quase uma década depois, o cenário não podia ser mais distinto e a Igreja – reconhece Ricardo Araújo Pereira – parece ter compreendido que o direito a fazer comédia é incontornável numa sociedade livre e aberta. «Cada pessoa tem o direito de ter os seus temas sagrados e eu tenho o direito de fazer comédia com os temas que me apetecerem, independentemente de eles serem sagrados para alguém, seja o Sporting, seja Maomé, seja o que for. Acho eu que numa sociedade livre e aberta é assim que acontece», sustenta o ex-Gato Fedorento. «Parece-me que a Igreja já vai percebendo mais ou menos isso. Já é raro a Igreja levantar cabelo por causa de alguma coisa», salienta.

Manifestamente mais aberta, a Igreja deixou de olhar para o humor como um incómodo, mas no seio da sociedade portuguesa ainda são frequentes episódios esporádicos de indignação, desencadeados por piadas ou arranjos humorísticos. Ricardo Araújo Pereira, que até recentemente apresentou uma rubrica humorística no Jornal das 8 da TVI, dá conta de um dos últimos episódios de que foi protagonista. «Nestes 22 programas havia coisas que a nós nos surpreenderam como sendo tabu. Havia gente a dizer: “Sobre isso não!”» recordou o humorista, acrescentando: «Nós fizemos uma coisa sobre a directora do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, que foi a uma comissão parlamentar e estava deslumbradíssima com os deputados. “Eu conheço este senhor deputado, eu conheço aquele”. Era só isso. Era divertido a senhora estar “starstruck”, como se eles fosse todos o George Clooney, mas o director do Diário de Notícias escreveu um texto em que dizia que não só não devíamos expor a senhora, como a devíamos proteger».

Marco Carvalho

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