Servidores das Bem-Aventuranças
Começámos, em 2023, o percurso de preparação rumo ao centenário da fundação da Sociedade Missionária da Boa Nova pelo Papa Pio XI (1930 – 2030). A esteira sobre a qual vamos desenvolver as nossas actividades é o texto das Bem-aventuranças, na versão de Mateus (Mt., 5, 1-12). A terceira bem-aventurança, a dos “mansos”, é aquela que plasma o ano 2024 no nosso itinerário.
Num mundo tão agressivamente competitivo, como é o actual, esta parece uma das bem-aventuranças mais contracorrente. No entanto, há exemplos que se tornaram ícones do poder da mansidão e da resistência não violenta. Nelson Mandela (1918 – 2013), à pergunta sobre qual seria o seu maior desejo, após 27 anos de cativeiro, terá respondido que era sentar-se na varanda da sua casa e escutar música clássica observando o pôr-do-Sol. Que grande nobreza de alma! Nenhuma palavra de hostilidade, nenhuma sede de vingança, nenhum gesto de violência, nenhuma fome de protagonismo, nenhum sinal de agressividade reprimida, nenhum apelo à discórdia.
Há um género de agressividade que é gerada pela competitividade iniciada nas escolas. Há escolas de elite onde as crianças pequeninas sofrem, desde o início, uma grande tensão por parte dos familiares e do estrato social ao qual pertencem, pois o ter bom aproveitamento numa escola primária conduz a uma boa escola secundária e a uma boa universidade, desembocando num bom emprego (principalmente nas sociedades mais fortemente secularizadas). Como é que se pode ser manso em tal situação? Economia agressiva, poder de influência, imposição, habilidade persuasora. Diz o beneditino alemão Anselm Grün, na sua obra “As Oito Bem-aventuranças”, que “é para esta disposição agressiva do nosso mundo que Jesus proclama a bem-aventurança dos benignos e mansos, dos não violentos e dos bondosos” (“As Oito Bem-aventuranças”, pág. 62).
No seu livro, Anselm Grün refere-se ao romance “O palácio de Matriona”, do escritor russo Alexandre Soljenitsyne (1918 – 2008). Matriona é uma mulher bondosa e mansa, pobre, abandonada pelo marido, desprezada por muitos, mas que não guarda rancor, não fala mal dos outros nem os julga. Colhida por um comboio, é no funeral que se torna claro como tinha sido bondosa aquela mulher desprezada, incompreendida, abandonada pelo marido, obrigada a enterrar seis filhos, sempre serviçal, ridícula ao ponto de trabalhar gratuitamente para os outros: “Na morte, herdou para sempre a terra que Jesus prometeu aos mansos. E, com a sua doçura, criou à sua volta um mundo no qual os que reconheceram a sua essência, podiam aguentar, apesar da opressão exterior” (in “As Oito Bem-aventuranças”, pág. 71).
Nos encontros que vamos tendo ao longo da nossa vida, não nos deparamos, muitas vezes, com pessoas doces e mansas como esta Matriona do conto do escritor russo e que nos salvam o dia? São esses mansos os fazedores de paz e harmonia; são esses os “servidores das Bem-aventuranças” que nós desejamos ser.
Pe. Adelino Ascenso
Superior-geral da Sociedade Missionária da Boa Nova