Está tudo na Internet?
Começo a acreditar que “talvez”. Poucos dias depois do cardeal Bergoglio ser eleito Papa, Mariano Fazio publicou um livrinho “El Papa Francisco”, a indicar as linhas de força do seu pensamento e, como apêndice, incluiu uma breve carta dele ao clero da Diocese. Perdi o livro, mas não esqueci a carta, até que reencontrei o livro em casa de um amigo e decidi reler a carta na Internet.
Investi um grande esforço para a procurar, pesquisando em vários buscadores, com diferentes palavras. Encontrei referências, mas estavam inactivas. Não desisti. Experimentei mais buscadores e procurei com palavras diferentes, até que… por fim! Lá está ela, na página do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Emigrantes e Pessoas Itinerantes:
Afinal, a Internet tem quase tudo! Mesmo que algumas coisas sejam muito difíceis de encontrar!
A carta contém ideias que o Papa repete, sobretudo nos últimos meses, mas aquele primeiro texto tem para mim um sabor especial de novidade.
O tema é a oração. O estilo é o de uma breve carta aos amigos: “Não sei bem por que senti hoje um forte impulso [de a escrever]. Ao princípio, perguntei-me ‘eu rezo?’ e a pergunta estendeu-se [a vós]: rezamos? Rezamos o suficiente?, o necessário? Tive que responder a mim mesmo. Ao fazer-vos agora a pergunta, o meu desejo é que cada um responda também do fundo do coração”.
É assim que começa esta carta.
O cardeal Bergoglio reconhece o mérito dos seus colaboradores na Diocese: “Parece-me que podemos afirmar, com objectividade, que não estamos ociosos. Na arquidiocese trabalha-se muito. (…) Por outro lado, sentimos o peso, quando não a angústia, de uma civilização pagã que apregoa os seus princípios e os seus ‘valores’ decadentes com tal desfaçatez e segurança (…). Assim, entre o intenso e desgastante trabalho apostólico e a cultura agressivamente pagã, o coração encolhe-se-nos numa impotência prática que nos leva à atitude minimalista de sobreviver tentando conservar a fé. No entanto, não somos tontos e damo-nos conta de que falta algo (…). Não será que pretendemos fazer tudo sozinhos?”.
É esta observação que alicerça o resto da carta. Não chegamos para os desafios, mas o sentido de responsabilidade que se nos pede consiste em “forçar” Deus a resolver os problemas. É essa oração insistente que Ele espera de nós.
“Várias vezes falei de ‘parresia’ (palavra grega, muito repetida nos Actos dos Apóstolos, que significa atrevimento, audácia), da coragem e do fervor na nossa acção apostólica. A mesma atitude há de se dar na oração: orar com ‘parresia’. Não ficar descansados por ter pedido uma vez; a intercessão cristã carrega toda a nossa insistência até ao limite. Assim orava David quando pedia pelo filho moribundo (2Sam., 12, 15-18), assim orou Moisés pelo povo rebelde (Ex., 32, 11-14; Num., 4, 10-19; Deut., 9, 18-20) pondo de lado a sua comodidade e proveito pessoal (…) (Ex., 32, 10): não trocou de ‘partido’, não vendeu o seu povo, mas lutou até ao final. (…) Como Abraão, temos de regatear com Deus (…) com verdadeira coragem (…) (Ex., 17, 11-13). A intercessão não é para fracos. Não rezamos ‘para cumprir’”.
“Jesus é claro no Evangelho: ‘Pedi e dar-se-vos-á, procurai e encontreis, batei e abrir-se-vos-á’ e, para que entendamos bem, dá-nos o exemplo desse homem que não larga a campainha da porta do vizinho à meia-noite para que lhe dê três pães (…). E se falamos de ser inoportunos, olhemos aquela cananeia (Mt.,15, 21-28), que se arrisca a ser corrida pelos discípulos (v.23) e que lhe chamem ‘cadela’ (v.27) (…). Esta mulher é que sabia lutar corajosamente na oração”.
A carta desenvolve o tema com exemplos sugestivos, por vezes com um sentido de humor provocante, convocando os seus colaboradores a trocar a segurança humana pela confiança em Deus. “Não se trata de uma luta nossa, mas da ‘guerra de Deus’ (2Cron., 20, 15); e que isto nos mova a dar diariamente mais tempo à oração”.
Neste Ano da Oração, eu precisava mesmo encontrar esta carta. E consegui!
José Maria C.S. André
Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa