A Igreja Católica em Cuba
Belas praias, carros antigos, monumentalidade barroca, automóveis de outras eras, turistas, charutos, margueritas, palmeiras… Sim, falamos de Cuba, a maior das Antilhas, ou Caraíbas, um dos primeiros lugares das Américas visitado por Colombo, em 27 de Outubro 1492 («Este é um dos lugares mais formosos que olhos humanos jamais viram», terá dito o navegante). Mas poucos se lembram de que em Cuba existe uma Igreja, parte da Igreja Católica universal, liderada espiritualmente pelo Papa e pela Cúria Romana. É um dos primeiros territórios americanos onde pisou um sacerdote, onde primeiro se celebrou uma missa e se erigiu uma cruz, mas talvez seja um dos lugares, pelas circunstâncias geopolíticas e sociais, a que menos se associa o conceito de religião, fé, Igreja. Mas entre os 11,5 milhões de habitantes actualmente, podemos, com base nas estatísticas, referir a existência de mais de 7 milhões de cubanos católicos, baptizados, ainda que apenas 150/200 mil vão à missa aos Domingos. Em 1998, segundo a revista norte-americana Newsweek, eram 5,5 milhões de católicos, e em 2004 6,3 milhões, o que demonstra um crescimento significativo da Igreja Católica na ilha nos últimos anos. Afinal, a presença da Igreja em Cuba, mesmo no seu contexto político-económico, histórico, numa sociedade que conheceu um processo de laicização acentuada, afinal é consistente e até comparável, por exemplo, a muitas nações europeias tradicional e historicamente católicas.
A Igreja Católica chegou a Cuba com os primeiros conquistadores espanhóis, a partir de fins dos séc. XV, conhecendo uma forte expansão no século XVI. Contra los interesses dos primeiros colonizadores, mais preocupados com a obtenção de dividendos e conquistas, do que o lado espiritual dos índios, ou o seu, recorda a história algumas grandes figuras missionárias desses tempos, como o franciscano Juan de Tesin, os mercedários Bartolomé Olmedo, Juan Zambrano e outros, além do célebre dominicano Bartolomé de las Casas. Desde a primeira missa de que há notícia, celebrada a 13 de Julho de 1494, em Jatibonico, território da actual provincial de Ciego de Avila, até finais da década de 50 do século XX, o desenvolvimento da Igreja em Cuba definiu-se primeiro pela anterior condição de Cuba como colónia espanhola (até 1898), e depois pela instalação do contexto social e político cubano que terminou em 1959 na Revolução Cubana e deposição de Fulgêncio Bautista, iniciando-se então o período revolucionário, ainda em curso. Apesar do forte impulso da Igreja cubana no período colonial, não deixa de ser curioso que foi no seio dela que germinou a semente independentista, no Colégio Seminário de Santo Ambrósio de Havana (capital), graças ao sacerdote habanero Felix Varela, à sombra do bispo espanhol D. Juan José Diaz de Espada.
Depois da independência, a Igreja cubana continuou o seu caminho e, em 1957, dois anos antes da Revolução, existiam no País 670 sacerdotes, para uma população de 6,5 milhões de habitantes, ou seja, um sacerdote para nove mil e 700 habitantes. Contavam-se ainda 158 comunidades religiosas femininas e 87 comunidades religiosas masculinas no País, entre centros de assistência, de ensino ou mesmo conventos de clausura. No Ensino, contavam-se 53 escolas católicas para sexo masculino e 110 para o feminino. No Ensino Superior, os padres Agostinhos mantinham a prestigiosa Universidade Católica de Santo Tomás de Villanueva, tal como os Jesuítas dirigiam a de Belén, além de uma outra universidade regida pelos irmãos de La Salle. Em 1954, um inquérito nacional promovido pela Agrupación Católica Universitaria (ACU) para determinar a religiosidade da população cubana, concluiu que 96,5 % dos cubanos acreditavam na existência de Deus, dos quais 73% eram Católicos, com 24% prática religiosa dominical. Depois da revolução de 1959, tudo mudou. Em 1961, decretou-se o Estado Socialista, e a tensão cresceu, entre as autoridades civis e a hierarquia da Igreja cubana. Mesmo assim, em 1987, um estudo feito por uma entidade governamental, quase 30 anos depois da Revolução e da laicização inerente, determinou que 86% da população cubana acreditava em Deus, embora referisse que os católicos seriam apenas os que assistiam a actos litúrgicos ao Domingo, o que baixava drasticamente a percentagem de fiéis.
A diminuição da prática religiosa em Cuba é um facto, desde 1961, mas falamos em actos públicos, pois muitos crentes ganharam medo de serem vistos nas igrejas, além das represálias subsequentes. As práticas devocionais privadas porém cresceram, no lar, até de forma clandestina. Muitos renunciaram à sua fé, é verdade, embora o regresso à mesma seja também um facto nos últimos anos. Com efeito, o número de crianças em catequese cresceu 500% nos últimos anos, com os baptizados confirmados ou casados pela Igreja a crescer também 250%, além de que 70% dos defuntos, em média, receberem sacramentos e responso católico em funerais na arquidiocese de Havana, por exemplo. Foram realizadas sondagens também, em missas públicas presididas pelo cardeal D. Ortega, em Havana: 78,5% considera-se católico, 76,1% declararam terem sido baptizados catolicamente e 70% conhece as orações principais (Avé Maria, Pai Nosso). Com as devidas comparações e estudos efectuados ulteriormente, pôde-se determinar que estas cifras se aproximavam dos resultados de 1987, feitos por uma agência governamental. A prática religiosa tem crescido consideravelmente em Cuba, esta é uma das principais conclusões. Menor participação pública, é um facto, mas a sua inversão gradual nos últimos anos, depois da nomeação de um cardeal católico (D. Jaime Ortega), em 1994, e da visita do Papa S. João Paulo II, em 1998, com excelente recepção e acolhimento de Fidel Castro (educado na juventude num colégio jesuíta), é um facto também, numa Igreja que renasce e se assume cada vez mais publicamente, em procissões e cerimónias sem restrições. Num país com uma maioria de baptizados, com 60% população católica, implantada em 11 dioceses, com relações diplomáticas com o Vaticano desde 1935, mais de um milhão de pessoas numa missa campal presidida por São João Paulo II em Janeiro de 1998, dois anos depois de Fidel Castro ter sido recebido pelo mesmo Papa em Roma, a Igreja em Cuba não só renasce, mas afirma-se.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa