Em Portugal, tal como noutros países mediterrânicos, como a Espanha, a França, a Itália ou a Grécia, que fizeram parte do antigo Império Romano, derrotado pelas invasões dos bárbaros germânicos (476 DC – Império Romano do Ocidente) e que, muitos séculos mais tarde (1914/1918 e 1939/1945), foram mais duas vezes invadidos pelos povos da germânia, a atitude popular para com os alemães nunca foi muito amistosa. O País, não só pelos episódios históricos que nos conduziram à Primeira Guerra Mundial, na defesa das antigas colónias portuguesas em África, ameaçadas pelos “apetites alemães”, como a fome e o morticínio que causados durante a Segunda Guerra Mundial e, na perspectiva das novas gerações, pela mais recente “guerra” económico-financeira de que o Governo alemão é o principal protagonista no âmbito da União Europeia, vê a Alemanha com um misto de censura, receio e admiração.
Curiosamente, Portugal e estes países mediterrânicos (membros da UE e do Euro), que quase todos também foram impérios e palcos de ditaduras, nas suas notáveis semelhanças do passado histórico, pese embora as suas diferenças, voltam hoje a confluir nas críticas à atitude alemã, não só pelo seu passado, mas igualmente pela exigência alemã de uma austeridade que compromete o presente e o futuro desses mesmos países e dos respectivos povos. Mas, contraditoriamente, também não escondem uma sensação de deslumbramento face à excelente situação económica da Alemanha e à sua notável recuperação após a Segunda Guerra Mundial e, mais recentemente, depois da anexação da antiga Alemanha de Leste.
Para uns, o sucesso alemão é consequência da ajuda económica multilateral que lhe foi concedida, após a Segunda Guerra e durante a integração do leste do País. Para outros, tudo se deve à organização e disciplina do povo alemão. Para mim, este êxito, é o resultado das duas coisas, às quais se juntam os seus enormes e actuais interesses fiduciários, que resultam da pauperização de outros.
De qualquer das formas e referindo-me apenas ao caso dos portugueses (embora, e mais uma vez, se possa estender a outros povos do Mediterrâneo), temos por verdade que não somos um povo organizado e disciplinado, logo, estamos condenados à subserviência.
No entanto e na generalidade (a história assim o demonstra), somos um povo trabalhador, esforçado e criativo, embora essa criatividade derrape constantemente numa espécie de “desenrrascanso”, individual ou colectivo, com objectivos imediatos (bons ou maus) e sem soluções duradouras.
Como o “desenrrascanso” é a antítese do respeito disciplinado pela organização e como o Estado português nunca foi um bom exemplo nessa matéria, pese embora as toneladas de Leis e Regulamentos existentes, que não são cumpridos ou contornados por todos aqueles com o poder e o dever de os aplicar e aceitar, o “desenrrascanso” tornou-se uma instituição nacional, nomeadamente em períodos de grave crise económica e de valores, como aquele em que vivemos hoje.
“Desenrrascam-se” os trabalhadores desempregados através de biscates não declarados. “Desenrrascam-se” patrões iludindo o fisco. “Desenrrascam-se” bancários com contas off-shore. “Desenrrascam-se” políticos com o tráfico de influências.
Mas, se esta “capacidade criativa” a que chamo “desenrrascanso” é criticável e condenável, pelos seus efeitos negativos na boa estruturação da sociedade portuguesa, ela é, ao mesmo tempo, um salva vidas para uma grande parte dos portugueses em dificuldades, uma fonte de rendimento para patrões manterem empregos e um amortecedor social para os políticos calarem a opinião pública.
Numa avaliação simplista, se perguntarem a um alemão médio se poderia trabalhar e viver no nosso “sistema de desenrrascanso nacional”, ele dirá necessariamente… NEIN! No entanto, os portugueses que trabalham na Alemanha são organizados e disciplinados nos seus empregos e os que estão em Portugal sobrevivem “desenrrascando-se”, o que os torna ambivalentes e capazes de viver nas duas sociedades. Afinal e na realidade, quem são os melhores?
Obviamente que não estou a fazer a apologia do “desenrrascanso”, mas apenas tentando desmistificar um pouco qualquer pretensa teoria de estarmos perante uma “raça superior”.
Luis Barreira