Espiritualidade e Espiritualidade Cristã – 1

REFLEXÃO

Espiritualidade e Espiritualidade Cristã – 1

A vida cristã é uma vida espiritual e moral. Para São Tomás de Aquino, a teologia e a teologia espiritual são “uma e a mesma coisa”. É semelhante a posição de São Boaventura. Para ambos os Doutores da Igreja e para as tradições que representam, a teologia é uma só, ainda não dividida no seu tempo entre teologia dogmática e teologia moral. A teologia espiritual permeava os diferentes tratados teológicos, como a Trindade, a Criação, a Cristologia, a Graça e os Sacramentos, a Oração, etc. Estava – e está – mais estreitamente ligada à teologia moral ou à ética cristã.

ESPIRITUALIDADE – A vida cristã é um caminho espiritual e moral para a felicidade plena com Deus. É, centralmente, um caminho por etapas do amor e das outras virtudes que o amor – como forma de todas as virtudes – vivifica. As virtudes estão enraizadas na Graça e fazem das pessoas seres humanos e cristãos florescentes: as virtudes teologais ligam-nos directamente a Deus, e as virtudes morais humanas aos outros seres humanos e à Criação. Como separar a teologia moral da teologia espiritual na vida cristã, que é una, moral e espiritual ao mesmo tempo?

Historicamente, a espiritualidade está centrada na Oração, na vida ascética e nas devoções pessoais. Refere-se tradicionalmente à “vida interior”, à “consciência da presença em Deus”. Façamos uma breve reflexão sobre a espiritualidade em geral e sobre a espiritualidade cristã em particular.

Actualmente, a espiritualidade é entendida como a vida inteira de uma pessoa, uma vida que integra a vida pessoal e social, a fé e as boas acções, a Oração e o trabalho, o amor a Deus e o amor ao próximo, a contemplação e o trabalho pela justiça e pela paz. A vida espiritual inclui tanto uma experiência religiosa como uma praxis ética. A espiritualidade conduz à transcendência, à vida interior e aos outros. É uma viagem interior e exterior da pessoa.

A espiritualidade sem adjectivos pode ser entendida como o anseio natural inerente ou o desejo de auto-transcendência, de Deus. A espiritualidade é frequentemente descrita como uma busca pessoal de sentido ou como uma viagem interior. Esta busca natural, esta viagem interior pode ou não ser dirigida a Deus ou ao Espírito. Esta espiritualidade sem Deus é descrita de várias maneiras: num horizonte biocêntrico, antropocêntrico ou cósmico, como uma ligação, respectivamente, com outros seres vivos, ou seres humanos, ou com todos, incluindo os seres inanimados.

A espiritualidade pode ser descrita de várias formas complementares. É estar e viver na presença de Deus, caminhar segundo o Espírito, testemunhar a harmonia holística. A pessoa humana, centro da espiritualidade, é corpo-alma, interioridade e relação, aberta a Deus e aos outros – naquilo que Leonardo Boff chama de “serviço altruísta”. Assim, num contexto religioso, podemos definir a espiritualidade da pessoa humana como “a afirmação da vida numa relação harmoniosa com Deus, consigo mesmo, com a comunidade e com o ambiente que nutre e celebra a totalidade” (National Interfaith Coalition for Aging – organização com sede em Washington, DC, EUA).

Uma dimensão radical de todos os tipos de espiritualidade é a sua base antropológica. A espiritualidade é uma viagem para a transcendência, para o Absoluto, para Deus. É a viagem de toda a pessoa humana que anseia pela felicidade, pela união com a divindade. Para a antropologia cristã, a pessoa humana é criada à imagem de Deus Uno e Trino, recriada em Jesus, Filho de Deus e Homem para os outros, e renovada constantemente no Espírito Santo.

Todas as religiões e movimentos religiosos têm um tipo de espiritualidade, ou seja, um modo de vida segundo o espírito, a razão, a fé, os mandamentos de Deus, a opção fundamental ou a escolha básica da vida. Assim, podemos falar de diferentes tipos de espiritualidade: espiritualidade hindu, espiritualidade budista, espiritualidade islâmica, espiritualidade New Age, etc. Dentro da tradição cristã, falamos de espiritualidade protestante, espiritualidade evangélica, espiritualidade ortodoxa e espiritualidade católica.

ESPIRITUALIDADE CRISTÃ – A espiritualidade cristã combina dois elementos entrelaçados: transcendente e imanente, pessoal e comunitário, natural e sobrenatural, contemplativo e activo, temporal e escatológico. No seu livro “Spiritual Theology, A Systematic Study of Christian Life”, Simon Chan desenvolve bem os principais critérios – formais e materiais – de uma verdadeira espiritualidade cristã para a nossa época.

Podemos falar hoje de vários modelos do ideal cristão de vida – de vida espiritual e mística: os modelos da santidade, da perfeição, da união amorosa com Deus, do seguimento de Cristo, do cumprimento da vontade de Deus, da Oração contemplativa e unitiva, da chama do amor. A verdade fundamental para todos os modelos é esta: todos os crentes são chamados à santidade, isto é, à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade como amor a Deus e ao próximo, à união com Deus, a fazer a sua vontade, isto é, a salvação do mundo.

Na tradição católica, existem três formas básicas de espiritualidade cristã, de acordo com os três caminhos de vivência da vocação pessoal específica, a saber, a vida sacerdotal, a vida consagrada e a vida de fiel leigo. Além disso, e no seio das diversas congregações, ordens religiosas, movimentos e associações sacerdotais e laicais, existem diferentes espiritualidades específicas, por exemplo, a espiritualidade beneditina ou franciscana, a espiritualidade do Opus Dei, a espiritualidade da Vida Ascendente, etc. Radicalmente, a espiritualidade cristã é uma só: a experiência de Deus por meio de Jesus Cristo no Espírito. Por isso, como escreve Simon Chan, “não há um único tipo de espiritualidade que satisfaça toda a gente”.

A espiritualidade cristã é a espiritualidade – ou a vida – dos crentes em Jesus Cristo, Filho de Deus e Filho de Maria, Irmão e Salvador. É a espiritualidade dos seguidores de Cristo, que é o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Jo., 14, 5-7).

Um conhecido especialista, padre Thomas Green, SJ, define a espiritualidade cristã como “toda a forma de vida, que é a nossa resposta à iniciativa amorosa de Deus revelada em Cristo Jesus” (na obra “Come Down Zacchaeus: Spirituality in the Laity”). Sublinhando a sua dimensão social, Daniel G. Groody descreve a espiritualidade cristã: “A espiritualidade cristã tem a ver com seguir Jesus, viver os valores do Reino de Deus e gerar uma comunidade transformada pelo amor de Deus e dos outros”. E acrescenta: “Vivida na sua dimensão pessoal e pública, a espiritualidade cristã é a forma como o coração invisível de Deus se torna visível para o mundo” (“Globalization, Spirituality, and Justice”).

Pe. Fausto Gomez, OP

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *