A presença de Cristo nos necessitados do mundo
“Mestre, onde vós morais hoje? Há três lugares bastante confortáveis para encontrar Jesus: a Igreja, os seus Sacramentos e a Sagrada Escritura”, afirma o teólogo J. A. Mayoral, e acrescenta: “Mas se ficarmos apenas neles, paramos no meio do caminho, ou seja, apenas visitamos alguns quartos da casa do Senhor” (e acrescentamos um quarto lugar: a presença real de Jesus na Sagrada Eucaristia).
Tem sido repetido que as duas principais características da espiritualidade de Jesus são “a sua terna e íntima relação com Deus” e “a sua compaixão pelos pobres, oprimidos e sofredores” (Richard Woods).
O Senhor Ressuscitado está presente também em todos os que nos são próximos e no nosso amor por eles: «Quem ama o seu irmão vive na luz… Mas quem odeia outro crente está nas trevas, anda nas trevas» (1Jo., 2, 10-11). Ele está presente, principalmente, nos pobres, nos vizinhos necessitados: “O quarto mais íntimo da casa do Senhor Ressuscitado é o quarto dos necessitados. Quem não descobre esta sala, não conhece muito bem o Senhor, porque então só poderá ter um encontro superficial com o Senhor” (J. A. Mayoral). Em Jerusalém, os três Reis Magos perguntaram: «Onde está o menino que acaba de nascer rei dos judeus» (Mt., 2, 2). Onde? Em Belém «numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria» (Lc., 2, 7).
O Senhor está presente naqueles que são abençoados. Quem são as pessoas abençoadas ou felizes? Bem-aventurados os pobres, os tristes, os humildes, os famintos e sedentos de justiça, os puros de coração, os pacíficos, os perseguidos por causa da justiça… Por que estes são chamados de “bem-aventurados”? Não porque sejam realmente abençoados em si mesmos (não são), ou bons, mas “porque Deus, seu Pai, vai dar-lhes o seu reino, um reino negado aos seus companheiros mais devotos” (J. A. Mayoral).
Hoje, como no tempo dos profetas do Antigo Testamento, a adoração sem justiça/amor não é adoração verdadeira. Isto é o que nos é pedido: “Agir com justiça, amar com ternura e caminhar humildemente com o Senhor” (Mi., 6, 8; cf. Is., 1, 11.15-17; Lc., 10, 25-37). Sacrifício sem compaixão não é nada! Devemos imitar a compaixão de Cristo, que teve «compaixão da multidão» (Mt., 9, 36). A verdadeira compaixão ocupa o caminho intermediário entre a apatia e a antipatia. É aceitar os sofrimentos dos outros e fazer algo para remediá-los.
Estamos acostumados a dividir as pessoas entre boas e más. Cristo fez a divisão entre aqueles que vêem e aqueles que não podem ver. A divisão entre pessoas boas e pessoas más não é evangélica: “Não existem pessoas más, mas pobres cegos que não vêem – e merecem mais compaixão do que qualquer outra pessoa (…). Muitos homens são o que são, e fazem o que fazem, ou sofrem o que sofrem, porque os outros não vêem” (Felicísimo Martinez). Em geral, como disse a escritora espanhola Carmen Martin Gaite, “as pessoas não são más; eles apenas sofrem”.
JESUS ESTÁ PRESENTE NOS POBRES
E NAQUELES QUE OS AJUDAM
É saudável – espiritual e eticamente – recordar a parábola do juízo final (cf. Mt., 25, 31-46). O que estamos a fazer pelas pessoas pobres que se encontram ao nosso redor? Jesus continua a dizer-nos que estes são os Seus “representantes”: O que vós fazeis ao menor dos meus irmãos e irmãs, fazeis a mim, disse Jesus. Pedro Crisólogo: “Dê aos pobres e está a dar a si mesmo”.
Os “pobres” são abençoados. São Vicente de Paulo referiu: “Jesus está presente nos pobres e nos amantes dos pobres”. Os pobres são redimidos porque são pobres: é plenamente redimido quem não tem a Razão, o mesmo acontecendo com os deficientes mentais, com os gravemente doentes (X. Pikaza). Palavras desafiadoras: “Os pobres, os doentes e os marginalizados devem ser tratados da mesma forma que o sacerdote trata a hóstia sagrada” (F. M. López Melús).
O Senhor vive hoje em muitas casas, ou numa casa grande com muitos hóspedes. Porém, “Ele não mora em muitas outras casas se o obrigarmos” (J. A. Mayoral). Pedir ao Senhor a Sua casa implica estarmos dispostos a acompanhá-Lo até à Sua casa e a sairmos das nossas casas ou dos quartos onde continuamos hospedados e que não são do Senhor. Tentamos fazê-lo cultivando constantemente um espírito desapegado e livre, isto é, o espírito de nómada ou de peregrino. E lembramo-nos das palavras do Senhor: «As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça» (Mt., 8, 20).
Jesus está realmente presente na Sagrada Eucaristia, uma presença intimamente ligada à presença do Senhor nos pobres e oprimidos do mundo. Palavras para reflectir:
“Honrareis vós o corpo de Cristo? Não desprezeis a Sua nudez; não o honrareis dentro da igreja vestido com vestes de seda e depois passeis por ele nu e congelado lá fora. Lembrai que aquele que disse «Isto é o meu Corpo», e cumpriu a Sua palavra, também disse: «Vós me vistes com fome e não me deste de comer», e «na medida em que vós não fazeis isso a um desses, não fazeis isso comigo». Não estou a dizer que não deveis dar vasos de ouro para o altar, e assim por diante, mas insisto que nada pode substituir a esmola. O Senhor não se recusará a aceitar o primeiro tipo de dom, mas prefere o segundo” (São João Crisóstomo).
Temos que ver Jesus, então, nos necessitados da nossa sociedade, nos miseráveis do mundo. O que estou a fazer pelos necessitados, pelos pobres, pelos migrantes, pelas crianças ou idosos abandonados, pelos toxicodependentes, pelos condenados à morte…? Hoje nosso Senhor continua crucificado em todas essas pessoas! “Onde estavas quando crucificaram o meu Senhor?”.
Pe. Fausto Gomez, OP