A presença de Cristo nas Sagradas Escrituras

REFLEXÃO

A presença de Cristo nas Sagradas Escrituras

A Santa Missa é um só acto: a Liturgia da Palavra e da Eucaristia. Como bem sabemos, na Eucaristia podemos receber Cristo nas suas duas mesas, a saber: a mesa da Palavra e a mesa do Pão e do Vinho Eucarísticos. A Missa é para nós a reexperiência dos Ensinamentos de Cristo e da sua Última Ceia com os discípulos.

Mestre, onde moras? Na Palavra da Bíblia, Jesus, a Palavra de Deus, continua a falar-nos, sobretudo quando as Sagradas Escrituras são proclamadas no seio da Igreja (Concílio Vaticano II, Sacrosanctum conciliumnº 7). Na mesa da Palavra está Cristo presente, porque é Ele quem fala (cf. Sacrosanctum conciliumnº 7 e 33; Hebreus 4, 12). Para sublinhar o significado único da Palavra de Deus, o Papa Francisco instituiu o Domingo anual da Palavra de Deus, a ser celebrado no Terceiro Domingo do Tempo Comum.

A Palavra da Liturgia da Palavra não é apenas lida, mas proclamada e celebrada: “Celebrar a Palavra – não só é lê-la e ouvi-la, mas acolhê-la e celebrá-la – é como a terra receber a fecundidade da água. Implica olhar-se continuamente no espelho de Cristo e do Seu Evangelho. É ajustar o ritmo da nossa vida seguindo Jesus à luz da Sua Palavra” (J. Aldazabal).

A Liturgia da Palavra apresenta-nos a História da Salvação, o jogo de Deus, onde todos participamos, onde ninguém é mero espectador, mas sim um actor activo. Aldazabal escreve: “A Palavra de Deus educa-nos progressivamente, corrige-nos das nossas contínuas tendências anti-evangélicas, convida-nos a dizer ‘amém’ à vontade de Deus, faz-nos receber ‘comunhão’, antes da Eucaristia, com Cristo, a Palavra de Deus”.

Quando o diabo tentou Jesus no deserto, pedindo-lhe que convertesse as pedras em pão, Jesus respondeu: «Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt., 4, 4). No Monte Tabor, Jesus foi transfigurado diante de Pedro, Tiago e João. Durante esta teofania, o Pai falou: «Este é o meu Filho, o Escolhido; escutai-o»(Lc., 9, 35). Na hora da Despedida, Jesus pediu ao Pai que santificasse ou consagrasse os discípulos na verdade, e acrescentou: «A tua Palavra é a verdade» (Jo., 17, 17).

Recordemos os discípulos de Emaús, que depois de reconhecerem Cristo, ao partir o pão, questionaram-se entre si: «Porventura não nos queimava o coração, quando Ele, durante a nossa jornada, nos falava, quando nos explicava as Escrituras?» (Lc., 24, 32). O caminho dos discípulos de Emaús é “um caminho de ida e volta através do qual os dois discípulos sem esperança descobrem o Senhor ressuscitado: primeiro, ao partir o pão; segundo, na Palavra das Escrituras; e terceiro, na comunidade a que retornaram” (J. Aldazabal).

TODA A ESCRITURA É INSPIRADA POR DEUS

«Como a chuva e a neve descem dos céus e não retornam para eles sem regarem a terra e fazerem-na brotar e florescer, a fim de que ela produza sementes para o semeador e pão para os que dele se alimentam, assim também acontece com a Palavra que sai da minha boca: Ela não voltará para mim vazia, mas realizará toda a obra que desejo e atingirá o propósito para o qual a enviei» (Is., 55, 10-11).

Todos nós conhecemos o texto frequentemente citado de São Jerónimo: “Ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo”. Portanto, como nos diz o Vaticano II, “o estudo das Sagradas Escrituras deve ser a alma da teologia”. A Palavra de Deus não é apenas a Palavra de Deus, mas também “um encontro directo com a revelação do Totalmente Outro; a Palavra inscrita na Bíblia é sempre viva e é continuamente dita a quem lê” (Jacques Ellul).

A Palavra de Deus, a Palavra da Bíblia, é tão imensamente rica que quando a lemos encontramos sempre algo novo: “Senhor, quem pode apreender toda a riqueza de apenas uma das tuas palavras? O que compreendemos é muito menos do que deixamos para trás, como trinta pessoas que bebem de uma fonte” (Santo Efrém).

A leitura da Palavra de Deus fundamenta todo o tipo de espiritualidade cristã. Na Exortação Apostólica Verbum domini, o Papa Bento XVI aconselha: “Nunca devemos esquecer que, na base de toda a espiritualidade cristã autêntica e viva, está a Palavra de Deus anunciada, acolhida, celebrada e meditada na Igreja. (…) A leitura da Palavra de Deus apoia-nos no caminho de penitência e conversão, permite-nos aprofundar o sentido de pertença eclesial e conserva-nos numa familiaridade mais profunda com Deus”.

Escutamos com atenção e devoção a Palavra de Deus proclamada na Liturgia da Palavra. Lemos a Bíblia pessoalmente e em comunidade constantemente. O método monástico popular de Lectio divinacontinua a ajudar muitas pessoas na sua jornada espiritual e moral de vida. A Lectio divinacom os seus quatro passos, a saber, ler, meditar, rezar e contemplar – dirigida a testemunhar a nossa fé de esperança no amor.

A reverente leitura contínua das Sagradas Escrituras renova-nos a vontade de querermos ser cada vez mais “filhos obedientes do Pai e irmãos solidários com todos” (J. A. Mayoral). Jesus disse: «Se permanecerdes na minha Palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos. E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará» (Jo., 8, 31-32). Permanecer na Palavra de Jesus é ouvi-Lo meditar na Sua palavra e obedecê-la, ou seja, fazer a vontade de Deus, testemunhar a Palavra de Jesus: «Todo aquele que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem sábio, que construiu a sua casa sobre a rocha» (Mt., 7, 24).

«Toda a Escritura é inspirada por Deus e proveitosa para ministrar a verdade, para repreender o mal, para corrigir os erros e para ensinar a maneira certa de viver» (2 Tm., 3, 16). «Senhor, a tua Palavra é lâmpada que ilumina os meus passos e luz que clareia o meu caminho!» (Sl., 119, 105).

Fausto Gomes, OP

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