Ministério pastoral junto dos embarcadiços à escala global
Longe dos entes queridos durante meses a fio, nalguns casos ausências que ultrapassam um ano, todos aqueles que buscam sustento no mar, os ditos embarcadiços, sentem mais do que ninguém a necessidade de se apoiarem mutuamente, podendo ser a oração a âncora que os liga a Deus, como acredita Victoria G. Sánchez, “pastora” das Irmãs de Jesus Bom Pastor e funcionária da delegação de Manila da Stella Maris, agência internacional da Igreja Católica que oferece assistência pastoral aos marítimos e às suas famílias, independentemente da nacionalidade, crença ou raça.
Há doze anos consecutivos na capital filipina, a irmã Victoria está convencida de que só através da oração podem «os que vivem no mar e os que ficam em terra» estar em verdadeira sintonia. Daí a importância da realização regular de actividades espirituais e de caridade junto destes últimos.
O testemunho desta religiosa assume significado especial por ocasião do “Domingo do Mar”, que a Igreja Católica sempre celebra na segunda semana de Julho (este ano calhou a 9 de Julho). Pelo menos, é este o entender de D. Michael Czerny, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. Na sua mensagem do passado “Domingo do Mar”, o cardeal checo afirmou: «Domingo é dia de Eucaristia, ou seja, é o dia da Páscoa semanal, e há muitos que não têm acesso a ela porque estão forçosamente afastados das suas comunidades. Celebrar o Ressuscitado significa não esquecer ninguém, nem mesmo aqueles que estão algures em pleno oceano». Nesse dia, instituições de caridade como a Stella Maris, o The Mission to Seafarers ou a Sailors’ Society, bem como grupos não denominacionais, caso dos Sea Cadets, efectuam recolha de fundos, desfiles e campanhas de consciencialização acerca dos múltiplos aspectos da vida no mar. Estima-se que em todo o mundo andem embarcados um milhão e 600 mil marítimos, entre os quais quatrocentos mil de nacionalidade filipina que enviam anualmente para casa biliões de pesos em remessas.
Entre os desafios mais difíceis que marinheiros e pescadores enfrentam temos a solidão, claro está, mas também a pressão da parte dos familiares para que aqueles enviem dinheiro para casa. A juntar a estes factores, temos as demissões prematuras devido a problemas pessoais de saúde ou a lesões físicas, a permanente ameaça da pirataria marítima e as limitações às licenças de pesca. Não esqueçamos que o mar é um local de trabalho muito perigoso: nos últimos dez anos naufragaram em todo mundo mil e 36 navios.
A equipa do Stella Maris de Manila atende não só espiritualmente os «trabalhadores do mar e respectivas famílias», como também as assiste em termos materiais sempre que pode. Apoiando, por exemplo, os familiares daqueles que por quaisquer motivos fiquem impossibilitados de trabalhar ou não possam enviar as habituais remessas monetárias mensais. Em seu nome é celebrada diariamente a Santa Missa, «em dois grandes dormitórios da organização onde estão alojadas as famílias mais carentes». A irmã Victoria salienta o carácter sinodal da Igreja Católica: «Devemos avançar juntos, navegar juntos, sem deixar ninguém para trás. Que ninguém pense que nada tem a oferecer a esta comunhão com o mar e com o Senhor». Ser uma “Igreja sinodal” significa encontrar-se em terreno comum como iguais pelo baptismo e onde todos, incluindo padres e bispos, devem verdadeiramente ouvir toda a gente. E é imbuído desse espírito que a Stella Maris filipina organiza com frequência seminários para marítimos, preparando-os assim para a vida a bordo dos navios pesqueiros e mercantes. Também os consciencializa para os seus direitos, minimizando assim a possibilidade de futuros abusos laborais, recrutamento ilegal e tráfico de pessoas. As Irmãs de Jesus Bom Pastor de Manila organizam ainda orações no hospital ou em casa dos que adoecem.
Este movimento moderno para a criação de «um ministério católico focado nos embarcadiços» começou com diversos actos isolados. Em 1891, uma organização britânica denominada Apostleship of Prayer colocou à disposição, em doze navios, revistas e livros devocionais da recém-formada instituição jesuíta Wimbledon College, além de convencer uma série de embarcadiços para que juntos constituíssem uma associação católica. Dois anos depois, a Sociedade de São Vicente de Paulo (SSVP) passou a visitar os marítimos estacionado nos portos de Bristol, Sunderland e Tyneside, sendo nesse mesmo ano inaugurado no Canadá o Centro Católico dos Marítimos de Montreal. No entanto, o verdadeiro Apostleship of the Sea (anterior designação da Stella Maris) seria formalmente fundado apenas em 1920, na cidade de Glasgow. Nessa época, a Grã-Bretanha tinha uma das maiores frotas mercantes do mundo, empregando muitos milhares de marujos. Cedo, o Apostleship of the Sea passaria a administrar grandes albergues para marinheiros em todas as principais cidades portuárias do País. Centros, nos quais os marujos podiam permanecer enquanto os respectivos navios estavam no porto, muitas vezes semanas a fio. Posteriormente, devido aos avanços da tecnologia, as tripulações ficaram menores e os navios passaram menos tempo no porto, resultando numa redução desses albergues e a uma actividade pastoral limitada a visitas periódicas aos navios e à abertura de centros de acolhimento nas imediações das docas.
Joaquim Magalhães de Castro