Questões de Geomância Oriental

Macau lótus, Hong Kong rã

Diziam os especialistas da geomância chinesa, no já distante ano de 2004, ano do Macaco, que esse seria o primeiro de um ciclo de vinte anos de bom augúrio para a China. Macau e Hong Kong, obviamente, que seriam abrangidos por essa vaga. Macau gozava de bom feng shui, daí o sucesso registado por Edmund Ho, considerada “uma pessoa bastante afortunada”. O mesmo não se podia dizer do congénere Tung Chi Wa, cujo feng shui “não era tão bom”, daí os sérios problemas que enfrentou durante os últimos anos do seu consulado.

Em termos gerais, e de acordo com os geomantes de agora, o espaço geográfico em que estamos inseridos continua a atravessar uma boa conjuntura. E, por isso, aconselham as pessoas a ficarem por cá. A China recebe as melhores perspectivas, seguida logo depois por Singapura e Taiwan.

Macau parte com vantagem pois a sua economia está fortemente solidificada na indústria dos casinos. Um desses adivinhos, Fat-Ching, chama a Macau, «afortunada terra de lótus». Ou, mais prosaicamente, «maravilhosa cidade-lótus». Essa flor que apesar de despontar em locais de águas estagnadas, ou mesmo imundas, mantém-se limpa e magnificamente bela. Macau, admite o adivinho, «é um local com negócios obscuros, tríades, jogo, prostituição», mas que se redime constantemente. Tal aparente contradição, deve-se, acima de tudo, à situação geográfica da cidade, no delta do rio da Pérola. «A forma geográfica de Macau assemelha-se a uma flor de lótus», conclui Fat-Ching. E se Macau é planta, Hong Kong é animal. Uma rã, mais propriamente. Criatura energética na água, viu os seus movimentos tolhidos devido aos constantes aterros. «Hong Kong foi privada de muita, demasiada, água. Kowloon quase que toca em Central. Victoria Harbour foi atulhada e ninguém teve a humildade de consultar os mestres de feng shui. A rã, apenas com terra, morre», diz. O adivinho lembra, a propósito, uma manifestação de protesto conjunta levada a cabo por ambientalistas e mestres de feng shui. «Ambos sabem que, a continuar assim, a reduzir-se o espaço marítimo e a construir-se desenfreadamente, Hong Kong afundar-se-á». O problema do excesso de aterros, na análise de Fat-Ching, não se aplica a Macau, já que «a expansão é feita para o mar».

Confidencia ainda o adivinho que os governantes têm por hábito consultar os mestres de feng shui, «não em público, mas na maior das privacidades». Também o fazem os de Macau, tanto da anterior como da actual administração. Comprovam essas palavras os rostos conhecidos nas fotos afixadas na parede do minúsculo escritório de Fat-Ching, situado no rés de chão de um edifício nas imediações do terminal marítimo. Aquando da erecção da estátua de Kun Iam, que o geomante considera «uma combinação de design português e feng shui chinês», foi essencial a sua opinião. «O rosto da estátua é semelhante ao rosto da escultora, não acha?», pergunta. Quanto ao controverso monumento Arco do Oriente, o geomante vê-o «como um garrote». É claro que não pode ter bom feng shui.

Fat-Ching é consultor de vários casinos de Macau, sobretudo nas salas VIP. Mostrou-se confiante aquando a chegada dos norte-americanos, lembrando-os, na altura, da importância da posição das mesas nas salas de jogo. «Pouca gente sabe que antes da inauguração das salas é efectuada uma cerimónia de feng shui em cada uma das mesas, de modo a que os jogadores fiquem junto delas o mais tempo possível». Ao dizer isto, Fat-Ching aponta para o altar em frente da sua secretária. Em lugar de destaque estão duas estátuas de um animal peculiar, um misto de sapo e de cão. São pei iaos, criaturas imaginárias com uma particularidade: têm boca, mas não têm ânus. O que quer dizer: «o dinheiro entra, mas já não sai». O pei iao é presença fundamental, embora discreta, em todos os bancos ou demais instituições financeiras, assim como na bolsa de valores, nos casinos, nos clubes de jóquei, nas canídromos, nas agências de apostas, enfim, em tudo que envolva circulação de dinheiro. E, a respeito de jogo, Fat-Ching mais não diz. Embora admita que nesse universo são muitos os segredos de profissão que mantém, que é obrigado a manter, guardados a sete chaves.

Voltando ao reino do comum dos mortais… Os prognósticos, de que forma os faz o comum mestre de feng shui? Responde Fat-Ching: «É essencial saber a data de aniversário. Mês, dia, ano. Com esses dados estabeleço uma carta adequada a cada pessoa em particular».

O adivinho prefere falar de práticas bem menos ortodoxas do que uma simples advinhação. Cerimónias, de certo modo, exorcistas, e realizadas em casa e na presença de alguns dos seus discípulos. Mais exactamente, numa área da casa ocupada por altares, estátuas de variadas divindades de diferentes tamanhos, potes de incenso, caixinhas com cinzas de defuntos, uma delas contendo mesmo um osso de criança… e uma faca. Também uma catana. Afiadíssima. E essa catana e essa faca são os instrumentos fundamentais da cerimónia. É necessário, acima de tudo, depositar total confiança no mestre. “Confia em mim?”, pergunta ao cliente. Após resposta afirmativa, o adivinho coloca-lhe dois paus de incenso entre os dedos, dá-lhe sinal para que una as mãos e pede-lhe que se vire para o altar das divindades e faça a devida vénia. Nesse preciso momento, o cliente é surpreendido com dois golpes no baixo ventre, secos e rapidíssimos, desferidos com precisão de mestre. Primeiro com o verso, logo a seguir com a lâmina da catana. Fat-Ching encosta-lhe depois ao peito um facalhão de cozinha. Daqueles que se vêem nos filmes de gangsters. Mais uma série de pancadas, com a ajuda de um martelo. Ao todo, uns quinze segundos de ritual a fazer lembrar uma iniciação de sociedade secreta. Mas não é nada disso o que está ali em causa. «Serve para lhe retirar as más energias. Estas pancadas trar-lhe-ão boa sorte», esclarece, para meu sossego, o geomante Fat-Ching.

Joaquim Magalhães de Castro

 

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