Dias casamenteiros e de muito vermelho
As urbes por toda a China vivem o Ano Novo Lunar e com mais artifícios luminosos do que nunca. Consumir, consumir, consumir sempre!, permanece a palavra de ordem. Numa cidade como Xangai, por exemplo, anualmente e em média, juntam os trapos cem mil casais. São, por isso, muitos os compromissos assumidos nesta auspiciosa quadra. Para a generalidade dos jovens chineses o casamento é a mais importante data das suas vidas, daí que não olhem a despesas. Cerca de cinco biliões de yuans são gastos anualmente, uma cifra que traduz bem aquela que é já conhecida como “economia de casamento”. Em média, cada casal despende actualmente na cerimónia nupcial a módica quantia de 150 mil yuans. No rol de despesas está incluído o pagamento ao mestre de cerimónias que preside ao acto e a uma banda de doze músicos, a decoração das salas onde decorrem a cerimónia e o banquete e o aluguer do automóvel, a esteticista para a noiva, o operador de câmara que regista todos os detalhes e mais tarde edita a memória em DVD e, finalmente, o mais importante de tudo, o banquete. O número de mesas pode ser de dez, vinte ou mais ainda. Hotéis de cinco estrelas, como o Shangri-La ou o Portman, cobram oito mil yuans por cada mesa de dez pessoas, mas nos hotéis mais modestos, de quatro estrelas, idêntico serviço é oferecido por cinco ou seis mil yuans. Esta última despesa, contudo, não é motivo de preocupação para os noivos já que os convidados oferecem por norma presentes, essencialmente dinheiro, que cobrem na totalidade os custos do repasto.
Para tratar destes assuntos abundam nas cidades chinesas companhias especializadas que organizam, à vontade do freguês, diferentes tipos de “casamento pacote”, cujo orçamento não contempla apartamento e respectivo recheio. Mas, como diz o ditado, “quem casa quer casa”, e o preço de uma casa obriga sempre ao habitual recurso a empréstimos ao banco ou a familiares e amigos. A festa passa num ápice e os jovens vêm-se endividados, assumindo, de imediato e pelos anos futuros, o papel de “fuel” dessa “economia de casamento”. Por isso mesmo não falta quem critique o luxo e a extravagância, duas das características das cerimónias. Que, não obstante, continuam em voga, para contentamento das empresas especializadas que não poupam imaginação no que respeita a novos truques para que os noivos soltem o mais possível os cordões à bolsa. Argumentam os defensores da festa farta que vale a pena gastar sem olhar a quanto no mais importante dia da vida. Os mais velhos, todavia, lembram o passado. “Casei em 1960 quando o nosso país sofria calamidades naturais. Para festejar o acontecimento limitei-me a comprar alguns doces para distribuir entre os amigos, e mandei fazer um casaco para mim e uma blusa para a minha mulher”, recorda um sexagenário, citado pela imprensa escrita local. Não exige ao filho frugalidade, mas aconselha contenção: “Agora que vivemos uma vida bem melhor, espero que o meu filho tenha um casamento decente. Mas não quero que seja luxuoso e extravangante”.
Na China, como se sabe, Ano Novo chinês quer-se frio. Se possível com neve. Mas quando não há neve, cria-se neve artificial. Um negócio que gera milhões e que responde ao dito popular de que “a queda de neve é sinal de um próspero ano novo”. Os centros comerciais utilizam esse e outros argumentos para atrair mais e novos clientes. Para além da neve artificial, são bastante populares as denominadas “chuvas de meteoritos”, artifício luminoso conseguido através de milhares de pequenas lâmpadas que se acendem e apagam, e com as quais são cobertas largas porções das fachadas dos centros comerciais.
A zona dos jardins Yuyuan, mesmo às portas dos derradeiros quarteirões da Xangai antiga, continuam a ser, apesar dos tempos de mudança, o principal ponto de confluência durante as festividades lunares. Essa Xangai onde outrora a vida permanecia no rés-do-chão para que a pudéssemos espreitar, e cheirar, como se estivéssemos numa aldeia, dando-nos conta do nosso engano quando olhávamos para o alto e víamos as torres à sombra das quais a velha cidade resistia ainda. Yuyuan encerra no seu perímetro o templo da cidade, um dos maiores locais de culto taoístas. Chenxiang, assim se chama, foi erigido durante a dinastia Ming há seiscentos anos. Chegou a ser considerado o templo privado do proprietário do jardim, o governador de Sichuan, que o plantou para que a mãe ali passasse os derradeiros dias da sua vida. Construído no estilo dos jardins de Suzhou, Yuyuan reúne rochas de formas bizarras, cascatas miniaturas, plantas raras e a “ponte de nove curvas”, a principal atracção. Diz a fábula que ela representa um dragão, animal auspicioso. Se a associarmos ao número 9, o maior dos dígitos Yang, sinónimo de sorte, está obtida a receita para a felicidade. Assim, todos desejam atravessar essa ponte. Diz-se, que a criança será abençoada; o estudante terá êxito nos estudos; nos apaixonados o amor perdurará; quanto aos idosos, esses verão a vida prolongada.
As lanternas vermelhas, símbolos ancestrais de felicidade e prosperidade, penduram-se em todo o lado. E por todo o lado os edifícios adquirem uma aparência de conto de fadas.
Joaquim Magalhães de Castro