Conversão, Penitência e Penitências – 1

QUARESMA

Conversão, Penitência e Penitências – 1

A Quaresma é o caminho da conversão pela penitência que conduz à celebração do grande mistério da nossa fé. O Papa Francisco diz-nos que a Quaresma «é um tempo propício para prepararmos a celebração, com os corações renovados, do grande mistério da Morte e Ressurreição de Jesus».

A palavra “Quaresma” deriva de uma antiga palavra inglesa, Lenten, que significa “Primavera”. Por outro lado, a palavra latina “Lente” significa “ir devagar”. Com base nesta dupla etimologia, “a Quaresma assinala o início da Primavera e convida-nos a abrandar o ritmo, a reunir os pensamentos, por assim dizer, a fazer um balanço da vida, a recomeçar, a colocar as coisas na sua devida perspectiva” (Richard McBrien).

O caminho da Quaresma é uma peregrinação de contínua conversão, pela virtude da penitência e das penitências, rumo a uma vida renovada na Páscoa.

CONVERSÃO E PENITÊNCIA

A verdadeira conversão é um processo dinâmico e contínuo de mudança e renovação. Converter-se significa “renunciar ao pecado”, voltar-se para Deus e para o próximo (cf. Mc., 1, 14-15). Conversão significa “morrer para a morte [os pecados] e viver para a vida [a graça e o amor de Deus]” (Santo Agostinho, in “Confissões”).

CONVERSÃO PELA PENITÊNCIA –A penitência é uma virtude, isto é, um sucesso de auto-realização, um bom hábito operativo que nos dispõe firmemente ao arrependimento, à penitência, às penitências – à conversão mais profunda. A penitência é uma forte disposição pessoal que nos leva a lutar contra o egoísmo, os pecados e a praticar o desprendimento. A penitência está intimamente ligada às virtudes teologais: a fé é a alma da penitência; a esperança, a sua força dinâmica; e a caridade, a sua forma (W. Kasper). A caridade dá vida e valor à penitência e a todas as outras virtudes. O objectivo final da penitência é que «amemos a Deus e nos comprometamos totalmente com ele» (São Paulo VI).

A penitência é, principalmente, penitência ou arrependimento interior, uma firme disposição da alma para mudar de vida seguindo Cristo. A penitência interior inclina-nos para realizarmos penitências externas. As penitências clássicas são a oração, o jejum e a esmola. Estas ajudam-nos a restabelecer e fortalecer o nosso relacionamento com Deus, por meio da oração; connosco mesmos, por meio do jejum; e com os outros, por meio da misericórdia – por meio da esmola e do perdão.

São João XXIII escreveu no seu diário: “Existem dois caminhos para o paraíso: a inocência e a penitência”. Se perdermos a nossa inocência, então o caminho que se nos abre é a penitência. Em sentido mais radical, a penitência e as penitências devem levar-nos a fazer melhor o que devemos fazer como seres humanos e como cristãos. A penitência básica é uma maior fidelidade à nossa vocação e missão. “Se vós sedes o que deveríeis ser, vós incendiaríeis o mundo inteiro” (Santa Catarina de Siena).

ORAÇÃO,JEJUM E ESMOLA

As três formas clássicas tradicionais de penitência são a oração, o jejum e a esmola. A estas Jesus convida os seus seguidores (Mt., 6, 1-6; 16-18).

Os Padres da Igreja (do Século I ao VIII), representantes preeminentes da Tradição cristã, falam fortemente e recomendam, imperativamente, as três expressões clássicas da penitência. Um escritor do Século II pregou numa homilia: “Bem-aventurado o homem que se achou perfeito nestas três maneiras. ‘A oração é boa com o jejum e com a acção de graças’. Pois aquele que no dia do juízo final recompensará as boas obras e as esmolas, hoje também escuta favoravelmente as orações que vêm das boas acções” (São Cipriano).

Já São Pedro Crisólogo (406-450) escreveu: “A oração, a misericórdia e o jejum constituem uma só coisa e se fecundam reciprocamente. O jejum é a alma da oração, a misericórdia é a alma do jejum… Portanto, se rezas, jejua; se jejuares, mostra misericórdia; se queres que as tuas petições sejam ouvidas, ouve as petições dos outros… Quem não jejua pelos pobres, engana a Deus. Dá aos pobres e dá-lo-ás a ti mesmo”.

Para os Padres da Igreja, a oração é apresentada como dirigida ao jejum e à esmola. A oração conecta-nos com Deus e abre o nosso coração para os outros, especialmente para os necessitados e pobres. São Cipriano (200-250) fala de oração frutífera e infrutífera. O bispo africano escreveu: “A oração sem boas obras não é eficaz. A oração é boa com o jejum e a esmola”.

O jejum é símbolo do desapego, da renúncia, dos sacrifícios, da cruz. O jejum bem feito é um bom meio para colocar ordem e harmonia na nossa nossa vida: o corpo sob o espírito e o espírito sob Deus; as paixões sob a vontade e a vontade subordinada e fiel à vontade de Deus. Como Jesus nos ensinou, há tempo para jejuar e tempo para não jejuar (cf. Mt., 9, 14-15). Dizemos sim ao jejum como um meio muito conveniente que nos pode ajudar a erradicar o pecado, fortalecer as virtudes e aproximar-nos de Deus e do próximo, especialmente dos pobres. Sim, então, devemos jejuar de forma moderada – nem muito, nem pouco. Jesus jejuou por quarenta dias no deserto (Mt., 4, 2; Lc., 4, 2). Nós o imitamos e o acompanhamos até a cruz durante o jejum quaresmal.

Na nossa peregrinação de fé, esperança e amor rumo à felicidade, o jejum deve ser acompanhado pela esmola, expressão visível da misericórdia. Jejuar sem esmola é insuficiente, como nos dizem João Crisóstomo, Ambrósio e Agostinho. Santo Agostinho: “Por meio das nossas orações, acrescentemos asas de piedade às nossas esmolas, acções e jejuns, para que possamos voar mais prontamente para Deus”.

No seu admirável comentário ao Pai Nosso, São Cipriano afirma que as orações não acompanhadas de boas obras são ineficazes ou ineficazes diante de Deus, porque, como diz o Senhor, são como árvores infrutíferas (cf. Mt., 7, 19). As palavras são fecundadas em boas obras. Deus ouviu as orações de Tobias (cf. Tob., 12, 8-9) e de Cornélio, pois rezavam constantemente e praticavam muitas esmolas simultaneamente (cf. At., 10, 4). Santo Agostinho: “Se queremos que nossas orações sejam ouvidas pelo Senhor, devemos recomendá-las com boas obras e esmolas”.

Na coluna da próxima edição (24 de Fevereiro), reflectiremos sobre a penitência e a misericórdia como esmola e perdão, e sobre o Sacramento da Reconciliação.

Pe. Fausto Gomez, OP

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