Os Pais da Igreja: oração, jejum e esmola

QUARESMA – 2

Os Pais da Igreja: oração, jejum e esmola

Quaresma é tempo de penitência (não, de pecar; sim, de amar). A penitência, que é principalmente penitência interna (arrependimento, desgaste e contrição), manifesta-se e melhora-se por meio da penitência externa, principalmente pela prática da oração, do jejum e da esmola. Estas três são as práticas clássicas de penitência para os cristãos.

Um escritor do segundo século pregou numa homilia: “A esmola é uma forma de arrependimento e também boa; o jejum é melhor que a oração; mas a esmola é melhor que ambas, porque a caridade cobre uma multidão de pecados. A oração é um escudo seguro contra a morte, e bem-aventurado o homem considerado perfeito nestas três práticas. Uma última palavra: a esmola alivia o fardo do pecado”. Muitas vezes, a oração é apresentada como dirigida ao jejum e à esmola.

Desde o início do Cristianismo, os Pais da Igreja escreveram abundantemente sobre a ORAÇÃO. São disso exemplo, a “Didaquê”, a “Tradição Apostólica” de São Hipólito, o “Tratado sobre a Oração” de Tertuliano e as “Homilias” de Orígenes.

Para São Pedro Crisólogo (406-450), “a oração, a misericórdia e o jejum constituem uma só coisa e fecundam reciprocamente. O jejum é a alma da oração, a misericórdia é a força vital do jejum. Que ninguém tente separá-los; eles não podem ser separados… Então, se vós orardes, jejuai; se vós jejuardes, mostrai misericórdia; se vós desejardes que as vossas petições sejam ouvidas, escutai as petições de outras pessoas”. E acrescenta: “Quem não jejua pelos pobres engana a Deus”. Por outro lado, o jejum com esmola agrada a Deus. O Pastor de Hermas diz: “O que vós tirardes do vosso corpo no jejum, dai-o aos pobres”.

A oração, escreve Santo Agostinho, é uma conversa com Deus: “A vossa oração é como uma conversa. Quando lê, Deus está a falar consigo; quando vós orais, sois vós quem está a falar com Ele”. Numa boa conversa, a oração conquista Deus. Escreve Tertuliano: “A oração é a única coisa que conquista Deus… A oração purifica o pecado… Alimenta os pobres…”.

A oração é um acto essencial de devoção para todos os crentes, sejam ricos ou pobres: “Todos podem alcançar um padrão igual no amor aos nossos semelhantes”. Escreveu São Leão Magno (falecido em 461): “Nenhuma devoção dos fiéis agrada mais ao Senhor do que aquela dedicada aos seus pobres, e, onde se encontra a preocupação da misericórdia, ele reconhece a imagem da sua própria bondade”.

Os Pais da Igreja recomendam que a oração seja acompanhada de boas obras. Um exemplo é São Cipriano. No seu adorável e profundo comentário ao Pai Nosso, o bispo africano fala de oração fecunda e infrutífera, sendo que estas últimas são orações sem obras, sem boas acções: “A oração sem boas obras não é eficaz. Pois aquele que no dia do juízo final recompensará as boas obras e a esmola, também hoje escuta favoravelmente as orações que provêm das boas acções. As orações não acompanhadas de boas obras são como árvores infrutíferas (cf. Mt., 7, 19). Deus ouviu as orações com esmola (cf. Tb., 12, 8-9) e as orações de Cornélio porque oravam constantemente e praticavam muita esmola simultaneamente (cf. At., 10, 4)”.

Os Pais da Igreja escrevem e pregam sobre a oração, em particular sobre a oração pelos pobres e oprimidos. As nossas orações pelos pobres são verdadeiramente poderosas. E porquê? Porque, responde São Cipriano, “quando se tem piedade dos pobres, empresta-se a Deus; e quem dá aos necessitados, dá ao próprio Deus; em certo sentido, oferece-se a Deus sacrifícios espirituais de odor agradável”.

Para ser um bom acto, o JEJUM deve ser acompanhado de esmola ou misericórdia. Jejuar sem esmola é inútil no caminho para o Céu; é insuficiente, como nos dizem João Crisóstomo, Ambrósio e Agostinho. Além disso, é uma fonte de ganância, segundo os Pais da Igreja.

Todos os Pais da Igreja recomendam a doação, a partilha de bens, de forma viva e persistente.

São Cipriano, o primeiro Pai da Igreja a deixar-nos um tratado teológico sobre a ESMOLA, intitulado “Sobre as boas obras e a esmola”, refere que a esmola é uma obrigação de todos os cristãos, caso queiram praticar a caridade e o amor ao próximo. A esmola também é muito poderosa diante de Deus. Porquê? Porque, responde São Cipriano, a esmola é um acto de justiça, um acto de caridade e um meio de purificação dos nossos pecados e de obtenção do perdão. São Cipriano aconselha as virgens ricas: “Deixem os necessitados sentirem que sois ricas. Emprestem o vosso estatuto a Deus, dando comida a Cristo”.

São Gregório de Nazianzo aconselha: “Tende misericórdia. Reparta o pão com quem tem fome, seja hospitaleiro com quem não tem tecto e faça-o com alegria e presteza”.

Santo Agostinho sublinha também a prática da esmola. O bispo de Hipona escreve: “Assim como, diante da ameaça de um incêndio, correríamos em busca de água para apagá-lo, assim também, se a chama do pecado surgir da nossa palha e ficarmos perturbados, havendo a oportunidade de realizarmos um trabalho de misericórdia, alegremo-nos como se de uma fonte que nos é oferecida para apagar o fogo se tratasse”.

Santo Isidoro de Sevilha (560-636) refere dois tipos de esmola: corporal (damos aos necessitados tudo o que podemos) e espiritual (perdoar quem nos ofendeu). Disse o Senhor: “Perdoai, e sereis perdoados; dai, e ser-vos-á dado” (cf. Lc., 6, 37-38). Santo Isidoro comenta: a primeira, a esmola – obra de misericórdia corporal – deve ser praticada com os indigentes; e a segunda, a do perdão – obra de misericórdia espiritual – com os pecadores ou pessoas más. Assim, conclui: “Sempre poderemos dar alguma coisa: se não dinheiro, pelo menos perdão”.

São Clemente de Roma (falecido no final do Século I) escreve: “A esmola é boa para se arrepender do pecado; o jejum é melhor que a oração, mas a esmola é melhor que estes dois”. Sempre a caridade como boa prática, também na Quaresma. São Leão Magno: “Qualquer momento é o momento certo para obras de caridade, mas estes dias de Quaresma proporcionam um encorajamento especial (…) Procure, acima de tudo, conquistar esta graça, pois a caridade contém todas as outras virtudes e cobre uma multidão de pecados”.

Pe. Fausto Gomez, OP

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