QUARESMA – 1

QUARESMA – 1

Uma grande oportunidade para melhorarmos

Enquanto reflectia sobre o título deste texto, lembrei-me da história de duas estudantes em Manila: uma, católica filipina, e a outra, budista chinesa. Um dia, perto do Ano Novo Lunar, visitaram juntas um templo budista e uma igreja católica, em Binondo. Logo após visitarem o templo budista, que fica próximo à nossa Casa Dominicana, seguiram para a vizinha igreja de Quiapo, a igreja do popular Cristo Nazareno. Perto da entrada da igreja há um enorme crucifixo. Quando saíam da igreja pela entrada, a jovem chinesa perguntou, apontando para o grande crucifixo: «– Quem é este?». A menina católica respondeu: «– Jesus Cristo; Ele morreu por nós». Enquanto saíam, a budista perguntou à católica: «– O que disseste? Que Ele morreu por causa de ti? O que fizeste por Ele?».

Ora, também eu me questiono: «O que fiz eu pelo Senhor crucificado, para que ele tenha morrido por mim e pelos leitores». Procuro, pois, responder à pergunta por meio da Quaresma. E pergunto ao leitor quando tenciona fazer o mesmo. Qual irá ser o melhor momento para tal?

A palavra “Quaresma” em Inglês, ao que nos chegou até à actualidade, deriva de uma antiga palavra inglesa “Lenten”, que significa Primavera. Por outro lado, a palavra latina “Lente” significa: andar ou ir devagar. A partir desta dupla etimologia, a Quaresma assinala o início da Primavera e convida-nos a abrandar o ritmo, a reunir os pensamentos, por assim dizer, a fazer um balanço da nossa vida, a recomeçar, a colocar as coisas na sua devida perspectiva (Richard McBryan).

A Quaresma é o caminho do cristão para a celebração do grande mistério da Páscoa: a Ressurreição do Senhor. É o tempo da penitência e das penitências: da penitência (da virtude e do Sacramento da Penitência); e das penitências (oração, jejum e esmola).

Como virtude moral, ou bom hábito, a penitência leva à eliminação do pecado e ao aumento da graça e do amor. Como Sacramento que é, perdoa os nossos pecados, quando nos mostramos devidamente arrependidos, e aumenta a graça e o amor de Deus nas nossas almas. A penitência básica para todos os cristãos é uma maior fidelidade ao Evangelho, à nossa vocação concreta e à nossa missão no mundo.

O objectivo último da penitência é que “amemos a Deus e nos comprometamos totalmente com Ele” (São Paulo VI). De acordo com o Vaticano II, a verdadeira essência da virtude da penitência é o ódio ao pecado, pois este é uma ofensa contra Deus, contra os filhos de Deus – todos os vizinhos – e contra a criação de Deus.

A penitência é principalmente uma penitência interior, que se centra no arrependimento, como firme disposição da alma para renunciar ao pecado e voltar a Deus; como inclinação permanente para mudar de vida seguindo a direcção de Cristo, o Caminho. A penitência interior leva-nos a realizar penitências externas.

As penitências clássicas são: oração, jejum e esmola. Estas penitências ajudam-nos a restabelecer e fortalecer a nossa relação com Deus através da oração, connosco próprios através do jejum (alguém disse que o jejum é a oração do corpo), e com os outros – particularmente os necessitados – por meio da esmola. O conselho do profeta: «Reconhece os teus pecados, abandona a maldade e passa a praticar a justiça e a exercer compaixão pelos carentes e necessitados. Talvez, assim, de facto, continues a viver em paz e tranquilidade» (Dan., 4, 27).

Segundo a tradição cristã, os Pais da Igreja consideravam as três penitências clássicas em conjunto:

A oração é como a fonte de água da qual necessitamos para nutrir os nossos pensamentos, palavras e acções, e nos conduz ao jejum. Mais do que a abstinência de comida e bebida, o jejum é o símbolo de uma vida simples, sóbria e frugal, que leva à esmola ou à partilha de algo com os pobres.

No que diz respeito à nossa vida quotidiana, devemos procurar cumprir – com a devida determinação – as nossas obrigações e responsabilidades, com esperançosa paciência e alegria espiritual.

Quanto à nossa oração: a ela procuremos ser fiéis todos os dias, e sobretudo à Sagrada Eucaristia aos Domingos. Lembremo-nos sempre que o nosso tempo de oração é tempo dedicado a Deus. É proveitoso fazer pequenas pausas de silêncio durante o dia: ajuda-nos a perceber e a fortalecer a presença real de Deus em tudo de bom que fazemos.

Quanto ao jejum, vivamos talvez – se possível – uma vida um pouco mais ascética e compassiva. Hoje precisamos de uma nova variante de jejum, ou seja, o jejum electrónico: utilizando menos a Internet e instrumentos como o telemóvel. Esta medida contribui para um maior silêncio interior, permitindo que Deus nos conceda a oportunidade de exercitar a arte de ouvir os outros, principalmente ouvir quem nos tem algo a ensinar ou simplesmente necessita ser ouvido.

Quanto à esmola, talvez possamos partilhar um pouco mais com os pobres, não apenas doando à Cáritas e a uma – ou a algumas – pessoa necessitada que nos rodeia. É, pois, diferente ajudar uma instituição de caridade, do que a um pobre em concreto – nosso irmão ou irmã em Cristo. Os pobres são “representantes de Cristo” (São Basílio).

Na Quarta-feira de Cinzas podemos tomar as nossas resoluções quaresmais – ou até mais tarde. Ajudar-nos-á a estar concentrados no caminho da Quaresma, até ao Sagrado Tríduo da Semana Santa.

Mas conseguiremos fazer aquilo que propomos a nós próprios? O mais importante é esforçarmo-nos, sabendo que – como nos dizem os santos – o esforço é uma graça de Deus. De qualquer forma, é bom que tomemos resoluções concretas para o nosso caminho quaresmal. Convido o leitor – se ainda não o fez – a seleccionar não muitas, mas uma ou duas resoluções para esta Quaresma. O mais importante, o essencial, é tentar fazer o melhor. “Se sedes apenas o que deveis ser, vós colocais fogo no mundo inteiro” (Santa Catarina de Sena).

Diz-se que há três “coisas” que não voltam: a flecha gasta, a palavra falada e a oportunidade perdida. Façamos da nossa Quaresma, com a graça e o amor inesgotáveis de Deus, uma oportunidade única para mudar e melhorar, isto é, para nos aproximarmos de Cristo – amá-lo mais – e de todos os outros. Ou seja, de sermos mais felizes.

Celebremos a Quaresma com a devida determinação, a fim e de sermos melhores cristãos. Se o fizermos, nunca nos arrependeremos!

Pe. Fausto Gomes, OP

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