Pseudo-Dionísio, o Areopagita: pioneiro da teologia mística

PAIS DA IGREJA (45)

Pseudo-Dionísio, o Areopagita: pioneiro da teologia mística

Os Actos dos Apóstolos narram as viagens de São Paulo. Numa das suas viagens, encontra-se a pregar no Areópago de Atenas (cf. Act., 17, 22), onde “alguns homens se juntaram a ele e acreditaram, entre eles Dionísio, o Areopagita, e uma mulher chamada Dâmaris e outros que estavam com eles” (cf. Act., 17, 34).

Centenas de anos mais tarde, no final do Século V ou início do Século VI, surgiu um teólogo grego e filósofo neoplatónico que se identificou como Dionísio Areopagita e escreveu um conjunto de obras intitulado “Corpus Areopagiticum” ou “Corpus Dionysiacum”. É evidente que este autor não era o mesmo que São Paulo converteu. Por isso é conhecido como Pseudo-Dionísio Areopagita ou Dionísio Pseudo-Areopagita.

De facto, só podemos conhecer um pouco do Pseudo-Dionísio através dos seus escritos. “As pistas fornecidas pela primeira aparição e pelo carácter dos escritos permitem-nos concluir que o autor pertence, no mínimo, à segunda metade do Século V, e que, com toda a probabilidade, era natural da Síria. Os seus pensamentos, frases e expressões mostram uma grande familiaridade com as obras dos neoplatonistas, especialmente com Plotino e Proclus. Ele também é completamente versado nos livros sagrados do Antigo e do Novo Testamento, e nas obras dos Padres até Cirilo de Alexandria” (Joseph Stiglmayr. “Dionísio, o Pseudo-Areopagita”. The Catholic Encyclopedia. http://www.newadvent.org/cathen/05013a.htm).

O Papa Bento XVI afirma que a escolha deste pseudónimo significa que “a sua intenção era pôr a sabedoria grega ao serviço do Evangelho, ajudar o encontro entre a cultura e a inteligência gregas e o anúncio de Cristo; queria fazer aquilo que este Dionísio tencionava realizar, ou seja, que o pensamento grego se encontrasse com o anúncio de São Paulo; sendo grego, tornar-se discípulo de São Paulo e assim discípulo de Cristo” (Audiência Geral de 14 de Maio de 2008). O Papa Bento XVI sublinha também a humildade do autor, ao não dar a conhecer a sua verdadeira identidade.

Entre as suas obras destacam-se “Os Nomes Divinos” (Περὶ θείων ὀνομάτων) e “Teologia Mística” (Περὶ μυστικῆς θεολογίας). Os dois livros formam uma continuidade. Falam da transcendência de Deus – o Seu Ser não pode ser completamente apreendido pela mente humana e, por isso, não pode ser totalmente expresso. Deus é inefável, é inexprimível. Em “Os Nomes Divinos”, Pseudo-Dionísio pergunta: “Como podemos então falar dos nomes divinos? Como podemos fazê-lo, se o Transcendente ultrapassa todo o discurso e todo o conhecimento, se permanece para além do alcance da mente e do ser, se engloba e circunscreve, abraça e antecipa todas as coisas, ao mesmo tempo que escapa ao seu alcance e escapa a qualquer percepção, imaginação, opinião, nome, discurso, apreensão ou compreensão? Como podemos entrar neste empreendimento se a Divindade é superior ao ser e é indizível e inominável?” (Pseudo-Dionísio, Os Nomes Divinos, 593A-B).

A Sagrada Escritura, no entanto, fala de Deus e dos seus atributos. Assim, podemos afirmar certas coisas de Deus – Ele é Bom, Ele é Verdadeiro, Ele é Belo… A isto chama-se teologia afirmativa ou catafática. No entanto, a bondade de Deus está para além da bondade que vemos nas criaturas. O mesmo se passa com a sua Verdade, a sua Beleza, etc. É por isso que temos de dizer que ele não é bom com a bondade que encontramos nas criaturas. E não é verdadeiro, ou belo…. A isto chama-se teologia negativa ou apofática.

Quando falamos de Deus, há algo que está escondido, algo misterioso. O Pseudo-Dionísio é assim um pioneiro da teologia mística. O Papa Bento XVI diz: “Dionísio Areopagita teve uma profunda influência sobre toda a teologia medieval, sobre toda a teologia mística, tanto do Oriente como do Ocidente, e foi quase redescoberto no Século XIII, sobretudo por São Boaventura, o grande teólogo franciscano que nesta teologia mística encontrou o instrumento conceitual para interpretar a herança tão simples e tão profunda de São Francisco” (Audiência Geral de 14 de Maio de 2008).

No Século XIII, São Tomás retoma o ensinamento do Pseudo-Areopagita e acrescenta uma terceira via – a via da eminência: “Ora, a partir dos efeitos divinos, não podemos conhecer a natureza divina em si mesma, de modo a saber o que ela é; mas apenas por via da eminência, e por via da causalidade [afirmação], e da negação, como acima se disse”.

Na via da eminência, afirmamos que Deus é bom, mas não da mesma forma que as criaturas são boas: Deus é a própria Bondade. E Ele é a própria Verdade, a própria Beleza, o próprio Ser – Ipsum Esse Subsistens.

Por fim, o Papa Bento XVI acentua a relevância de Pseudo-Dionísio para os nossos tempos. O Santo Padre considera-o “como um grande mediador no diálogo moderno entre o cristianismo e as teologias místicas da Ásia, cuja nota característica está na convicção de que não se pode dizer quem é Deus; só se pode falar dele de formas negativas; de Deus só se consegue falar com o ‘não’, e Ele somente é alcançado, quando se entra nesta experiência do ‘não’. E aqui vê-se uma proximidade entre o pensamento do Areopagita e o das religiões asiáticas: hoje ele pode ser um mediador, como o foi entre o espírito grego e o Evangelho” (Audiência Geral de 14 de Maio de 2008).

Pe. José Mario Mandía

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