Esperança, a virtude do peregrino – 1

Esperança, a virtude do peregrino – 1

A vida humana é uma narrativa de esperanças no plural (esperanças humanas) e de esperança no singular (esperança cristã ou teologal). A nossa vida é uma viagem a caminho de diferentes destinos possíveis. Nenhum destino temporal, porém, pode satisfazer plenamente o nosso desejo de felicidade, de Deus, de céu. Acompanhe-me nesta reflexão sobre natureza da esperança e peregrinação de vida.

A NATUREZA DA ESPERANÇA

Nós, cristãos, acreditamos que, como filhos de Deus, estamos a caminho da casa do Pai, como gostava de dizer São João Paulo II. Aos cristãos é pedido que dêem uma razão da sua esperança (cf. 1 Pd., 3, 15) – da sua esperança na vida eterna.

O dom radical de Deus para nós é a graça, que cura e eleva o nosso ser à vida divina. A graça do Pai – através de Jesus no Espírito – é uma participação na própria natureza de Deus e faz de nós novas criaturas, filhos de Deus, irmãos e irmãs de Jesus e uns dos outros, templos da Santíssima Trindade e co-herdeiros do céu (cf. Rm., 8, 15-17).

Enraizadas na graça, as três virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade são três modos de responder a Deus: a fé é a raiz da vida cristã; a esperança é a sua orientação; e a caridade a sua substância (Hans Urs von Balthasar). Dadas por Deus e centradas em Deus, as três virtudes teologais estão inseparavelmente unidas. A esperança, em particular, está intimamente ligada à fé e à caridade: a fé garante as bênçãos da esperança (cf. Heb., 11, 1); a esperança não é enganadora, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo (cf. Rm., 5, 5). Segundo São Francisco de Sales, o Espírito Santo é o rei do céu e a caridade a rainha.

Embora a fé seja a virtude mais básica e a caridade a mais perfeita, a esperança – a esperança fiel e amorosa – é, de certa forma, a mais necessária na nossa vida terrena. Afinal, “as pessoas podem viver sem fé e, aparentemente, muitas vivem. Muitos também vivem sem amor. Mas sem esperança, sem algo que nos faça avançar, simplesmente não podemos continuar” (Michael Downey).

A esperança é um resumo de toda a Bíblia. Deus é o Deus da esperança (cf. Rm., 15, 13). Os israelitas viviam na esperança: «Ó Israel, espera no Senhor» (Sl., 131, 3). A nova esperança do cristão é «uma esperança melhor» (Heb., 7, 19), uma esperança radicada em Deus Pai, em Cristo, nossa esperança (cf. 1 Tm., 1, 1), no Espírito Santo e nos seus dons (cf. Rm., 5, 5). A esperança cristã é a virtude teologal da vontade, que tende decididamente para a consecução da vida eterna com a ajuda da graça de Deus (cf. São Tomás de Aquino).

A esperança cristã é a esperança da vida eterna, ou seja, de uma vida abençoada e feliz. Vimos de Deus e vamos para Deus alegres na esperança (cf. Rm., 12, 12). A esperança cristã não é apenas “uma torta no céu”, mas uma autêntica esperança escatológica: «Espero alcançar a ressurreição dos mortos» (Fl., 3, 11).

A esperança cristã é também temporal, isto é, para o nosso tempo e para todos os tempos. A esperança teologal coloca o passado e o futuro nas mãos misericordiosas e providente de Deus. A espera de um novo céu e de uma nova terra compromete-nos a cultivar o presente que anseia pela nova esperança escatológica e cósmica (cf. Vaticano II, GS, 39). Vivemos no “depois” e no “aqui e agora”. A esperança cristã concentra-se no “presente”, no “hoje” (cf. Heb., 3, 7-8), no “agora”, no “neste momento”: “Agora é o dia da salvação” (2 Cor., 6, 2). A esperança em Deus não é escapista, mas libertadora: ela compromete-nos a libertar o presente do ódio, da escravatura, da injustiça e da violência.

A esperança é uma esperança certa (Deus não nos falhará), uma esperança paciente e corajosa (a paciência ajuda-nos a enfrentar os sofrimentos do caminho) e uma esperança orante. A oração é uma mediação da esperança (spes orat, a esperança reza) e “um ambiente” para aprender a esperança (Bento XVI, Spe Salvi, 32). A melhor oração mediadora é o Pai Nosso que, segundo Santo Agostinho, contém tudo o que está relacionado com a esperança e nos recorda diariamente que Deus Pai é realmente o teu Pai, o seu Pai e o meu Pai. As nossas esperanças e a nossa esperança alimentam-se nas nossas celebrações litúrgicas e sacramentais, sobretudo na Sagrada Eucaristia. A comunidade dos discípulos – a nossa comunidade – reza por todos: «Na esperança, a Igreja reza para que “todos se salvem”» (1 Tm., 2, 4; cf. Catecismo da Igreja Católica, 1821). Com Santa Teresa de Ávila, mestra da oração, exclamamos: “Esperança, ó minha alma, esperança!”.

A esperança cristã integra, purifica e eleva as legítimas esperanças humanas. As nossas esperanças humanas são importantes e até necessárias na nossa vida: de forma oculta e implícita, elas apontam para a esperança em Deus. No entanto, se as esperanças humanas são obstáculos ou se opõem à esperança em Deus – no céu –, podem acabar no desespero, que é, com a presunção, um pecado contra as esperanças e a esperança. As esperanças humanas que nos prendem indevidamente a uma pessoa, ou a uma posição, ou a uma posse, ou a um lugar, não podem ser autênticas esperanças humanas, porque não estão impregnadas da virtude teologal da esperança que nos inclina a caminhar para o abraço de Cristo.

Pe. Fausto Gomez, OP

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