PAIS DA IGREJA (36)

PAIS DA IGREJA (36)

Jerónimo (2): dialogar com a Palavra

Depois da sua conversão, em 366, Jerónimo dedica-se às questões teológicas e espirituais. Inicialmente, viajou com Bonosus até 373, quando este último foi para uma ilha do Adriático para viver como eremita durante algum tempo. Jerónimo “aperfeiçoou o seu conhecimento do grego, iniciou o estudo do hebraico (cf. Ap. 125, 12), transcreveu códices e obras patrísticas (cf. Ep. 5, 2). A meditação, a solidão, o contacto com a Palavra de Deus fizeram amadurecer a sua sensibilidade cristã” (Papa Bento XVI, Audiência Geral de 7 de Novembro de 2007).

Em 370 ficou num mosteiro em Aquileia, sob a direcção do bispo São Valeriano. Muitas grandes mentes da Cristandade foram atraídas para este mosteiro. Entre os amigos que Jerónimo fez aqui, conta-se Rufinus, um monge conhecido pelas suas traduções de obras gregas para Latim. Isto ajudou Jerónimo a desenvolver as suas capacidades de tradução. Depois da estadia em Aquileia, Jerónimo foi para Tréveris (em alemão: Trier), na Gália, onde começou a traduzir livros para seu uso pessoal, construindo assim a sua biblioteca pessoal.

Em 374 chegou a Antioquia. Aí adoeceu. Depois de ter recuperado um pouco, foi viver para o deserto durante quatro anos, mas muitas vezes não estava bem de saúde. Jerónimo preferia a vida monástica, mas aceitou ser ordenado sacerdote com a condição de lhe ser permitido viver como monge ou eremita.

Durante algum tempo, Jerónimo estudou com São Gregório de Nazianzo (ver PAIS DA IGREJA, 27) em Constantinopla. Quando Gregório deixou Constantinopla, em 382, Jerónimo foi a Roma para participar num Concílio e aí conheceu o Papa Dâmaso, que lhe pediu para ficar em Roma e ser seu secretário. Mesmo como secretário do Papa, Jerónimo recomendava o ascetismo a todos os que conhecia, especialmente àqueles que estavam convencidos de que todos são chamados a ser santos.

O facto de ser secretário do Romano Pontífice protegeu Jerónimo dos inimigos que fez devido ao seu humor sarcástico. Mas quando o Papa morreu, em 382, choveram sobre ele críticas de pagãos e de outros cristãos. Circulam falsos rumores. Por isso, decidiu abandonar a Cidade Eterna.

“Depois da morte do Papa Dâmaso, Jerónimo deixou Roma em 385, e empreendeu uma peregrinação, primeiro à Terra Santa, testemunha silenciosa da vida terrena de Cristo, depois ao Egipto, terra de eleição de muitos monges (cf. Contra Rufinum 3, 22; Ep. 108, 6-14). Em 386 permaneceu em Belém onde, por generosidade da fidalga Paula, foram construídos um mosteiro masculino, um feminino e uma estalagem para os peregrinos que iam à Terra Santa, ‘pensando que Maria e José não tinham encontrado onde repousar’ (Ep. 108, 14). Permaneceu em Belém até à morte, continuando a desempenhar uma intensa actividade: comentou a Palavra de Deus; defendeu a fé, opondo-se vigorosamente a várias heresias; exortou os monges à perfeição; ensinou a cultura clássica e cristã a jovens alunos; acolheu com alma pastoral os peregrinos que visitavam a Terra Santa. Faleceu na sua cela, perto da gruta da Natividade, a 30 de Setembro de 419/420” (Audiência Geral de 7 de Novembro de 2007).

A tradução da Bíblia para Latim por Jerónimo é, talvez, o seu maior legado para o Cristianismo. Mil anos antes de Martinho Lutero, traduziu os textos originais hebraicos e gregos para Latim, tornando-os assim acessíveis a muitos cristãos que não conheciam as línguas originais. Com a ajuda de colaboradores e das primeiras versões latinas, Jerónimo pôde fornecer “uma tradução melhor: ela constitui a chamada ‘Vulgata’, o texto ‘oficial’ da Igreja latina, que foi reconhecido como tal pelo Concílio de Trento e que, depois da recente revisão, permanece o texto ‘oficial’ da Igreja de língua latina” (Audiência Geral de 7 de Novembro de 2007).

São Jerónimo, porém, também sublinhou a importância dos textos originais: “Se uma discussão sobre o Novo Testamento surgir entre latinos por causa de interpretações dos manuscritos que não concordam, voltemos ao original, ou seja, ao texto grego em que o Novo Testamento foi escrito. Da mesma forma, no que diz respeito ao Antigo Testamento, se houver divergências entre os textos grego e latino, devemos recorrer ao texto hebraico original; assim, poderemos encontrar nas correntes tudo o que brota da fonte” (Carta 106, 2).

Além disso, ensinou também que os comentários devem apresentar diferentes opiniões “para que o leitor perspicaz, depois de ler as diferentes explicações e ouvir muitas opiniões – a serem aceites ou rejeitadas – possa julgar qual é a mais fiável e, como um cambista experiente, possa rejeitar a moeda falsa” (Contra Rufinum 1, 16).

A maior parte de nós sabe que São Jerónimo ensinava que “a ignorância das Escrituras é a ignorância de Cristo”. Não basta, porém, estudar as Escrituras. É importante entrar em diálogo com a Palavra de Deus. Na sua Carta (22, 25), Jerónimo escreveu: “Oras: loqueris ad sponsum; legis: ille tibi loquitur (‘Rezas: estás a falar com o Esposo; lês: Ele está a falar convosco’)”.

Pe. José Mario Mandía

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