PAIS DA IGREJA (35)

PAIS DA IGREJA (35)

Jerónimo (1): de pecador a santo, com a ajuda de um amigo

São Jerónimo, nascido por volta do ano 347 d.C., no seio de uma família cristã moderadamente abastada, escreveu que era “filho de Eusébio, da cidade de Estridão, que fica na fronteira da Dalmácia e da Panónia…” (De viris illustribus, capítulo 135). Estridão já não existe e a sua localização exacta não é conhecida, mas situa-se provavelmente na Croácia ou na Eslovénia.

Jerónimo foi inicialmente educado “em casa pelo pai (também chamado Eusébio), tendo os pais o enviado para Roma (por volta de 359 d.C.), onde estudou com o famoso gramático pagão Ælius Donatus (que era possivelmente de origem africana) e Victorinus, um retórico cristão. Aí passou por um curso normal de estudos de literatura clássica e retórica” (“St. Jerome, Istria on the Internet”. https://www.istrianet.org/istria/illustri/jerome/index.htm).

Os estudos em Roma proporcionaram a Jerónimo o domínio do Latim e do Grego. Começou a construir a sua própria biblioteca, copiando ele próprio as obras. Não só encontrava prazer nas actividades intelectuais, mas também nas escapadelas sensuais e nos divertimentos mundanos de Roma. “Desde jovem – recorda o Papa Bento XVI – sentiu atracção pela vida mundana (cf. Ep. 22, 7), mas prevaleceram nele o desejo e a intercessão pela religião cristã” (Audiência Geral de 7 de Novembro de 2007).

A busca do prazer não foi apenas um dos cantos escuros da sua vida inicial. Entre os Padres (Pais) que estudámos até agora, provavelmente nenhum era tão mal-humorado como Jerónimo. “Jerónimo tinha um temperamento rápido, um tom sarcástico e, quando estava zangado, praguejava ou dizia palavrões. Tinha também pouca paciência para a estupidez e a superficialidade. Este facto levou-o a fazer vários inimigos ao longo da sua vida, sobretudo em Roma, onde não era apreciado nem pelo clero nem pelos funcionários pagãos. Para combater este pecado de ira, Jerónimo levava uma pedra consigo para todo o lado. Sempre que praguejava ou cometia um pecado contra a caridade, usava a pedra para bater no peito como penitência pelos seus actos. No final da sua vida, o seu peito desenvolveu calos e cicatrizes devido à frequência das pancadas” (“St. Jerome – Biblical Scholar, St. Mary”. https://stmaryrockledge.org/st-jerome-biblical-scholar-2/) Assim, aprendemos com o seu exemplo a arrepender-nos e a “bater no peito” não só fisicamente, mas também espiritualmente. Ele ensinou-nos o que significa a dor do pecado.

Jerónimo tinha um grande desejo de mudar. Para reforçar a sua vontade, ia com os amigos visitar os túmulos dos mártires nas catacumbas. No seu “Comentário a Ezequiel”, Jerónimo escreveu: “Muitas vezes dava por mim a entrar naquelas criptas, profundamente escavadas na terra, com as paredes de ambos os lados forradas com os corpos dos mortos, onde tudo era tão escuro que quase parecia que se cumpriam as palavras do Salmista: «Que desçam depressa ao inferno» (Salmo 55, 15)” (Jerónimo, “Commentarius in Ezechielem”). Fazia-o todos os Domingos, mesmo que ainda não fosse cristão. A experiência assustava-o, mas não provocou a conversão que desejava.

Deus, no entanto, deu a Jerónimo um grande amigo, Bonosus. Também frequentou as aulas dadas pelo pai de Jerónimo em casa, e estava com Jerónimo quando este foi estudar para Roma. Bonosus era um tesouro de amigo. A sua influência ajudou a persuadir Jerónimo a tornar-se cristão e a mudar para melhor (cf. https://www.catholic.org/saints/saint.php?saint_id=10). Finalmente, Jerónimo foi baptizado pelo Papa Libério em 366.

A conversão de Jerónimo com a ajuda de Bonosus faz-nos ver o papel da amizade na transmissão da Boa Nova. De facto, a própria amizade não só faz parte da Boa Nova, como é o seu núcleo: «Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor; mas Eu vos tenho chamado amigos, pois tudo o que ouvi de meu Pai Eu compartilhei convosco» (João 15, 15). “Ora, a consciência desta amizade de Jesus Cristo é o próprio segredo dos santos” (Robert Hugh Benson, “The Friendship of Christ”).

Já no Antigo Testamento, a amizade é louvada. «Um amigo fiel é um abrigo robusto: aquele que o encontrou, encontrou um tesouro. Não há nada tão precioso como um amigo fiel, e nenhuma balança pode medir a sua excelência» (Eclesiástico 6, 14-15).

O que fez Bonosus para trazer Jerónimo para a fé? Simplesmente viveu as virtudes cristãs de forma coerente. “Vê-se imediatamente que a prática destas virtudes conduz ao apostolado. De facto, já é apostolado. Porque quando as pessoas procuram viver assim no meio do seu trabalho quotidiano, o seu comportamento cristão torna-se um bom exemplo, um testemunho, uma ajuda real e eficaz para os outros. Aprendem a seguir os passos de Cristo, que «começou a fazer e a ensinar» (Act., 1, 1), unindo o exemplo à palavra. Por isso, desde há quarenta anos, chamo a este apostolado de ‘apostolado da amizade e da confiança’” (São Josemaría Escrivá, “Conversações”). Este estilo apostólico sem ostentação pode ser posto em prática por qualquer cristão que deseje que os seus amigos «tenham comunhão connosco; e a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo» (1 Jo., 1, 3).

Pe. José Mario Mandía

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