PAIS DA IGREJA (23)

PAIS DA IGREJA (23)

O Primeiro Historiador da Igreja

Deixemos Alexandria por um momento e concentremos a nossa atenção em Cesareia, na Palestina. Como vimos, o Édito de Milão, em 313 d.C., marcou uma viragem na Cristandade (cf. PAIS DA IGREJA, 21). Trouxe liberdade e paz à Igreja, o que permitiu o desenvolvimento da doutrina, da liturgia, da arquitetura e da arte.

Em 231 d.C., Orígenes fugiu de Alexandria para Cesareia, na Palestina, onde fundou uma escola e uma grande biblioteca (cf. PAIS DA IGREJA, 17). Por volta de 263 d.C., nasceu Eusébio. Eusébio foi educado na Escola de Cesareia e, por isso, foi fortemente influenciado pelos ensinamentos de Orígenes.

“Foi o representante mais qualificado da cultura cristã do seu tempo em contextos muito variados, da teologia à exegese, da história à erudição. Eusébio é conhecido sobretudo como o primeiro historiador do cristianismo, mas foi também o maior filólogo da Igreja antiga” (Papa Bento XVI, na Audiência Geral de 13 de Junho de 2007).

Eusébio acabou por se tornar bispo de Cesareia por volta do ano 313, quando Constantino concedeu liberdade religiosa aos cristãos. Talvez tenha sido este facto que levou Eusébio a admirar Constantino. Constantino, por sua vez, estimava e respeitava Eusébio. O próprio Eusébio proferiu um panegírico aquando da morte de Constantino, em 337 (Eusébio viria a falecer dois ou três anos mais tarde).

Em 325, Eusébio desempenhou um papel fundamental no Concílio de Niceia (cf. PAIS DA IGREJA, 22). Defendeu um meio-termo entre a posição de Ário (o Filho é inferior ao Pai) e a de Atanásio (o Filho é “homooúsios tõ Patrí” – “da mesma substância”), mas acabou por assinar – com alguma relutância – o Credo que afirmava que Cristo é Deus e é da mesma natureza que o Pai.

Devemos muito a Eusébio por nos ter fornecido informações sobre a Igreja primitiva. Escreveu dez volumes de História da Igreja (Grego: Ἐκκλησιαστικὴ ἱστορία; Latim: Historia Ecclesiastica ou Historia Ecclesiae) onde “propõe-se reflectir e analisar três séculos de cristianismo, três séculos vividos sob a perseguição, haurindo amplamente das fontes cristãs e pagãs conservadas sobretudo na grande biblioteca de Cesareia” (Papa Bento XVI, na Audiência Geral de 13 de Junho de 2007).

Muitas das fontes que Eusébio utilizou acabaram por se perder. Graças ao seu trabalho, “conseguiu salvar de esquecimento certo numerosos acontecimentos, personagens e obras literárias da Igreja antiga. Portanto, trata-se de uma fonte primária para o conhecimento dos primeiros séculos do cristianismo” (Papa Bento XVI, na Audiência Geral de 13 de Junho de 2007).

Eusébio disse que era seu “objectivo escrever um relato da sucessão dos santos Apóstolos, bem como dos tempos que decorreram desde os dias do nosso Salvador até aos nossos; e relatar os muitos acontecimentos importantes que se diz terem ocorrido na história da Igreja; e mencionar aqueles que governaram e presidiram à Igreja nas dioceses mais proeminentes, e aqueles que em cada geração proclamaram a Palavra divina, quer oralmente quer por escrito”. E as intenções não ficaram por aqui:

“É meu propósito também dar os nomes, o número e os tempos daqueles que, por amor à inovação, caíram nos maiores erros, e, proclamando-se intérpretes e promotores de uma falsa doutrina, como lobos ferozes, devastaram impiedosamente o rebanho de Cristo… e registar os modos e os tempos em que a palavra divina foi atacada pelos gentios, e descrever o carácter dos grandes homens que, em várias épocas, a defenderam perante o sangue e as torturas… e, finalmente, a misericórdia e a benevolência que o nosso Salvador dispensou a todos eles” (História da Igreja I, 1, 1-3).

O Papa Bento XVI afirma que a história que Eusébio escreveu está centrada em Cristo. Registou, pois, o historiador: “Só Jesus, de todos os que já existiram, é até hoje chamado Cristo [isto é, Messias e Salvador do mundo] por todos os homens em todo o mundo, e é confessado e testemunhado sob este nome, e é comemorado tanto por gregos como por bárbaros e até hoje é honrado como Rei pelos seus seguidores em todo o mundo, e é admirado como mais do que um profeta, e é glorificado como o verdadeiro e único Sumo Sacerdote de Deus. E, além de tudo isso, como o Logos preexistente de Deus, chamado à existência antes de todas as idades, ele recebeu uma honra augusta do Pai, e é adorado e venerado como Deus. Mas o mais maravilhoso de tudo é o facto de nós, que nos consagrámos a ele, o honrarmos não só com as nossas vozes e com o som das palavras, mas também com uma completa elevação de alma, de tal modo que escolhemos dar testemunho dele em vez de preservar as nossas próprias vidas” (História da Igreja I, 3, 19-20).

Na mesma Audiência Geral de 13 de Junho de 2007, Bento XVI sublinhou que há uma “intenção moral” na escrita da História da Igreja. “A análise histórica nunca é fim em si mesma; não é feita só para conhecer o passado; antes, ela tem por finalidade decididamente a conversão, e um autêntico testemunho de vida cristã por parte dos fiéis. É uma guia para nós próprios”.

Há um bom número de pessoas, incluindo muitos católicos, que são críticos da fé, não porque não conheçam os ensinamentos morais e doutrinais da Igreja. No entanto, ignoram a sua história. Não sabem como o Espírito Santo, apesar da fraqueza do homem, é capaz de fazer santos a partir de pecadores. Assim compreendemos a afirmação do cardeal D. John Henry Newman de que “ser profundo na história é deixar de ser protestante”.

Pe. José Mario Mandía

LEGENDA: Eusébio de Cesareia

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