A democratização da China
O Ocidente anseia desesperadamente pela democratização do sistema político na República Popular da China, mas depreendo que tal só acabará por acontecer no país mais populoso do mundo, não da forma como vemos nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França ou em Portugal, mas sim através de um modelo inspirado nas duas Regiões Administrativas Especiais.
Por outras palavras, será uma democracia musculada, controlada, que mantenha a unidade do Estado, em vez de precipitar a desagregação da RPC numa manta de retalhos com contornos imprevisíveis, à imagem do que aconteceu na ex-URSS.
Não foi por isso nenhuma surpresa para mim que o presidente da RPC, Xi Jinping, tivesse há pouco tempo descartado uma reforma ao estilo ocidental para o País, tendo inclusivamente reafirmado a importância de manter o sistema de partido único.
Aquando do discurso realizado por ocasião do 60º aniversário da Assembleia Nacional Popular, Xi Jinping também referiu que o Governo deve impedir «a luta política e a divisão entre os partidos políticos», e ao fazer referência à colocação em marcha de «um processo de decisão democrático» salientou que quando houver eleições o Governo deve «ter cuidado para não fazer promessas vazias que deixem o país num limbo pós-eleitoral».
Entendo a declaração como uma clara crítica a muitas democracias ocidentais, onde os partidos políticos usam e abusam de mentiras para convencer o eleitorado a votar neles. Essencial para a unidade nacional da RPC tem sido a campanha anti-corrupção – vai manter-se por mais cinco anos – que promete não dar tréguas aos “tigres” e às “moscas” (aos “tubarões” e à “arraia miúda”, em português corrente).
Se há algo que o Ocidente deve ter bem presente é que o conceito de democracia nunca foi vivenciado na China, por isso é natural haver grande relutância no Império do Meio em seguir um modelo que, apesar de ter como génese a vertente “uma pessoa, um voto”, já provou ser bastante falível nas sociedades onde o capitalismo é quem mais dita as leis e onde vários países democráticos estão subjugados por Governos ditatoriais, não na liberdade de expressão, mas no estrangulamento dos valores mais básicos da dignidade humana, como são os casos do direito ao trabalho e à saúde, entre outros.
Por outras palavras, está provado que a corrupção tem sido a principal chaga das democracias ocidentais, ou não fossem os políticos com maior poder económico a serem eleitos, numa alternância bastante limitada, traduzindo-se depois as pagas de favores em algo democraticamente aceite como conluios público-privados (muitos deles autênticos casos de polícia), cedendo à vontade de sectores preponderantes das respectivas nações (indústria do armamento, indústria do petróleo, sector bancário, etc.) ou enveredando pelos tradicionais “jobs for the boy”.
Sinais
O Chefe do Executivo de Hong Kong, C.Y. Leung, disse recentemente que a Declaração Conjunta não previa o sufrágio universal e que nenhum governador da ex-colónia britânica tinha sido eleito pelo povo.
A China também já deixou recado para que Londres não se imiscua nos assuntos internos do País, na sequência das declarações de Chris Patten, último governador de Hong Kong (1992-1997), que instou o Reino Unido a erguer-se pela democracia na sua ex-colónia.
A reacção surgiu após a China ter decidido, no mês passado, que os aspirantes a Chefe do Executivo vão precisar do apoio de mais de 50% de um comité de nomeação para concorrerem à eleição e que apenas dois ou três serão seleccionados para candidatos. Ou seja, haverá primeiro uma triagem, vindo depois o sufrágio universal.
Em Macau o assunto tem sido pacífico porque o processo está muito atrasado, mas é natural que a situação possa escalar numa bola de neve com contornos imprevisíveis, caso Chui Sai On continue na senda governativa a que já nos habituou. Todavia, a China não vai tolerar que se implemente nas duas RAE o modelo democrático como vemos no Ocidente.
Em suma: as escolhas da população ficarão sempre condicionadas pela triagem, o que poderá não reflectir a verdadeira vontade do povo. Aqui está o reflexo do que futuramente poderá acontecer na China continental, com poucos candidatos de um partido único – Partido Comunista – a serem sufragados pela população, sendo natural que fique de fora toda e qualquer oposição ao status quo vigente com ambições políticas.
O conceito democrático com contornos chineses até pode ser bastante interessante, se pensarmos que o modelo ocidental está profundamente viciado. Não me choca muito viver numa ditadura de partido único, desde que os próprios governantes respeitem os Direitos Humanos e sejam benevolentes, incorruptíveis, justos e visionários. E isso, no mundo que corre, é aquilo a que se chama “Missão Impossível”. Mas há sempre milagres…
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
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