O primeiro sistema
Em 2014, aquando da visita de uma delegação de jornalistas ocidentais às instalações da Associação de Jornalistas de Toda a China, com sede em Pequim, um deles perguntou a um alto responsável daquela entidade se havia no continente chinês censura de notícias.
A resposta que obteve por via da tradução foi, no mínimo, desconcertante: «Aqui não fazemos censura. O que há é gestão da informação». E foi assim que o grupo ficou a entender um pouco melhor a forma como se gere e lida com determinadas questões no primeiro sistema, como é o caso da tão propalada falta de liberdade de imprensa.
Já em Macau, onde vigora o segundo sistema, estipula o artigo 27º da Lei Básica que “os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão, de imprensa, de edição” e por aí adiante.
Todavia, o juiz Tong Hio Fong, na qualidade de presidente da Comissão dos Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL), disse aos jornalistas, na semana passada, que «num período de propaganda, a Comissão exige que a Comunicação Social tome medidas para não chamar a atenção do público [para os candidatos], bem como sugerir os eleitores a votar em algumas listas ou candidatos».
Tal como muitos profissionais do ramo, fiquei com sérias dúvidas quanto ao significado das declarações de Tong Hio Fong. Queria ele que fizéssemos a “gestão da informação”, conforme é prática corrente no primeiro sistema? Ou será que pretendia disciplinar alguns insurrectos, que no entender da Comissão poderão alterar o “status quo” vigente no território? Haverá outra justificação plausível? Confesso que não sei.
No decorrer desta semana o próprio juiz teceu o seguinte esclarecimento: «A Comissão já referiu que não pode ensinar à Comunicação Social como fazer, cabe à entidade, à ética profissional e disciplina definirem o que podem e não podem relatar. É esse o vosso dever».
É visível o abrandar de tom do presidente da CAEAL. E tendo em conta a sua clarificação, os jornalistas terão de ter algum tacto no modo como elaboram conteúdos noticiosos relacionados com os candidatos, nuns casos utilizando a habitual auto-censura, noutros valendo-se da desconfortável “gestão da informação”.
Se foi isso mesmo o que deu a entender, Tong Hio Fong também deve saber que o direito à opinião é inalienável na RAEM. No jornalismo existem duas vertentes distintas: as notícias e as opiniões. Já para não abordar o direito a informar por via da notícia, a ser suprimido o direito à opinião, aquela que é emitida sem constrangimentos, caminhamos a passos largos para o primeiro sistema muito antes de expirar o prazo do segundo sistema.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA