Benedictus Fructus Ventris Tui!
Bendito é o fruto do vosso ventre!
A dignidade e o estatuto da Virgem Santa Maria deriva da sua condição de Mãe de Jesus Cristo, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. O primeiro título de Maria oficialmente reconhecido pela Igreja através de um dogma foi o de “Theotókos”, ou Mãe de Deus, título que lhe foi atribuído pelo Concílio de Éfeso, em 431, em resultado da Controvérsia Cristológica que opôs Nestor, o então Patriarca de Constantinopla, e Cirilo, o Patriarca de Alexandria, e que determinou a separação entre diofisitas, por um lado, e monofisitas e miafisitas, por outro.
SANTA MARIA THEOTÓKOS
De entre os muitos títulos que a Virgem Maria tem, um dos mais significativos, quer pela sua história, quer pelo seu valor e simbolismo teológico, é o epíteto de Santa Maria Theotókos, sendo “Theotókos” a transliteração em alfabeto latino do grego Θεοτόκος.
O adjectivo grego “theotókos” é composto por θεός /theós/ “Deus” e por θόκος /-tókos/. A segunda parte deste composto, ou seja –tokos, deriva do verbo grego τίκτω /tíktō/ “dar a luz”. Assim o composto no seu todo quer dizer “a que dá à luz Deus”. As línguas românicas têm alguma dificuldade em expressar compostos como este por meio de uma só palavra, composta ou simples. Já as línguas germânicas gozam de mecanismos semelhantes àqueles que o Grego e o Latim, por um lado, e o Sânscrito, por outro, herdaram do Indo-Europeau. Assim, “Theotókos” poder ser traduzido em Inglês por “Godbearer” e em Alemão é traduzido normalmente por “Gottesgebärerin”, basicamente o mesmo composto que em Inglês, mas com diferente gramática. O Latim que partilha, mais ou menos, dos mesmos mecanismos de derivação e composição de palavras que o Grego goza, traduz o Grego Θεοτόκος por “Deipara” embora prefira as mais das vezes o sintagma “Dei Genetrix”, ou seja “progenitora de Deus”.
Dada a dificuldade em traduzir de modo satisfatório nas línguas Românicas modernas, entre elas o Português, este composto grego, também estas línguas preferem traduzir a palavra “theotókos” por meio de um sintagma, ou seja por meio de mais do que uma palavra.
Assim, em Português “theotókos” é normalmente traduzido por Mãe de Deus. No entanto, Mãe de Deus encontra correspondência em Grego na forma Μητήρ τοῦ Θεοῦ, o título mais comum que a Virgem Maria tem em Grego e que aparece abreviado em quase todos os seus ícones com a letras ΜΡ ΘΥ.
A liturgia Bizantina e a Patrística Grega preferem muitas vezes em vez do sintagma Μητήρ τοῦ Θεοῦ adjectivos compostos, como sejam Θεομήτωρ /Theomḗtor/, Θεομήτηρ /Theomḗtēr e Μητρόθεος /Mētrótheos/, entre outros, todos eles formas diferentes que a língua Grega tem para dizer a mesmíssima coisa, ou seja Mãe de Deus.
Também em Português existia na Idade Média um substantivo composto que era usado como epíteto da Virgem Santa Maria, era esse composto a palavra Madredeus, composto que ainda hoje se encontra no topónimo Bairro da Madredeus, em Lisboa, e o nome da Igreja da Madredeus, também em Lisboa. Hoje em dia, no entanto, o substantivo composto Madredeus é muitas vezes escrito com os seus elementos separados, ou seja Madre Deus, sendo também, muitas vezes, erradamente hiper-corrigido para Madre de Deus.
A ORIGEM E SIGNIFICADO DO EPÍTETO “THEOTÓKOS”
O título de “Theotókos” ou de Mãe de Deus foi dado à Virgem Maria no Concílio de Éfeso, no ano de 431. Após a conclusão chegada no Concílio de Niceia (325) de que Jesus Cristo era Deus, a questão que se seguia era de como conciliar a divindade de Cristo com o seu carácter humano, já que este, embora Deus, nascera Homem. O Concílio de Éfeso é convocado para condenar a reposta a este problema proposta por Nestor (ca. 386-ca. 450), patriarca de Constantinopla de 428 até 431, ano em que o Concílio se reúne e o destitui do cargo, que defendia que Jesus Cristo incarnado homem tinha em si duas pessoas, uma divina e outra humana.
O Concílio de Éfeso condenou a tese proposta por Nestor tendo pelo contrário declarado o Dogma da dupla natureza de Cristo, o qual defendia que Jesus Cristo era uma só pessoa mas dotado de duas naturezas, uma divina e outra humana que se encontravam “hypostaticamente” unidas uma com a outra. A união hypostática refere-se a uma sobreposição entre as duas naturezas de Jesus em que uma não se pode distinguir da outra.
Para Nestor que defendia que Cristo tinha duas personalidades, Maria é Χριστοτόκος /Christotókos/, ou seja, “Mãe de Cristo”, no sentido de esta era apenas ἀνθρωποτόκος /anthrōpotókos/, ou seja responsável apenas pela parte humana de Cristo. Mas o concílio ao declarar que Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem ao mesmo tempo e na mesma pessoa, a Virgem Maria já não somente é mãe de Cristo-Homem mas também mãe de Cristo-Deus já que as duas naturezas de Cristo são inseparáveis na pessoa de Jesus incarnado. Esta era a tese defendida por São Cirilo, Patriarca de Alexandria, que apesar de, pelos vistos, não ter sido muito boa pessoa ao ponto de ser recriminado pelo Imperador Bizantino Teodósio II (408 -450), o calígrafo, pela sua arrogância, teve um papel proeminente na defesa deste dogma fundamental para a ortodoxia da fé Católica. Este dogma pôs fim ao que se veio a denominar por Controvérsia Cristológica.
O DOGMA DA MATERNIDADE DE DEUS
No Credo a Igreja professa a crença de que Jesus, o filho de Deus, nasceu da Virgem Maria; já o Concílio de Éfeso é mais explícito e declara que: “se alguém não confessar que Emanuel é verdadeiramente Deus e que em vista desse facto [não confessar igualmente que] a Virgem Santa é Mãe de Deus (Θεοτόκος), uma vez que, de acordo com a carne, ela deu à luz o Verbo de Deus feito carne, que esse alguém seja excomungado”.
O Dogma da Maternidade de Deus contém duas verdades implícitas, a saber: por um lado afirma que Maria é verdadeiramente a Mãe de Jesus na medida em que ela contribuiu para a formação da pessoa humana de Jesus da mesma forma que todas as mães são responsáveis pela humanidade dos seus filhos, e por outro lado afirma que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus, ou seja que ela concebeu e deu à luz a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, não de acordo com a divina natureza de Deus, mas sim de acordo com a natureza humana assumida pela pessoa divina de Jesus.
À objecção de Nestor de que Maria não é a Mãe de Deus porque dela vem apenas a natureza humana de Jesus, mas não a sua condição divina, se responde que Maria não é Mãe de uma natureza propriamente dita, mas sim da pessoa inteira de Jesus Cristo, a qual comporta em si unidas as suas duas naturezas. Como a Virgem Maria concebeu e deu a à luz a pessoa do Verbo Divino que subsiste na natureza humana, ela é verdadeiramente Mãe de Deus. Assim o título de Santa Maria Theotókos inclui dentro de si a confissão da divindade de Jesus Cristo.
A DIGNIDADE OBJECTIVA DE MARIA
Como Mãe de Deus, Maria transcende em dignidade todas as demais criaturas, incluindo todos os santos, os mártires, os anjos e os arcanjos, já que a dignidade de uma criatura é tanto maior quanto mais próxima esta estiver de Deus. Assim, de entre todas a coisas criadas, excepção feita à natureza humana de Cristo, que está “hypostaticamente” unida com a pessoa do Verbo, Maria é a criatura mais próxima do Deus Trino e Uno.
Como verdadeira mãe ela esta relacionada sanguinicamente com o filho de Deus de acordo com natureza humana deste. Através do filho ela está intimamente associada também ao Pai e ao Espírito Santo. A Igreja honra a Virgem Maria por causa das sua posição de Mãe de Deus e por causa do seu imenso dote de graça que deriva da sua posição de filha do Pai e esposa do Espírito Santo. Num certo sentido (secundum quid) a dignidade de Maria é infinita, já que ela é a mãe de uma Pessoa Divina infinita.
CHEIA DE GRAÇA E IMACULADA NA SUA CONCEIÇÃO
Como condição prévia e necessária para a maternidade de Deus, Maria era (e não estava) cheia de Graça, quer isto dizer que no memento da sua concepção ela fora preservada da mancha do pecado original. O pecado original, inerente ao género humano depois da primeira falta, consiste na privação de graça santificadora, problema que é remediado após o nascimento por meio do baptismo. Maria foi preservada do pecado original e das suas consequências na medida em que no acto da infusão da sua alma (animatio) esta se encontrava num estado total de graça. Tratou-se este facto de um dom especial de Deus sem qualquer mérito por parte da Virgem Maria (gratia) o que constitui uma excepção à lei natural (privilegium) à qual todos os homens estão submetidos no acto da sua concepção. Em consequência, Maria goza de um estado especial de plenitude de graça (Lk 1:28) que a põe acima de todas as outras criaturas de Deus, incluindo anjos e arcanjos.
Mas a graça de que Maria está cheia não se pode comparar à plenitude de graça do seu filho na mesma medida em que a dignidade da Virgem Maria, que lhe advém da sua ligação com Deus através da maternidade de Jesus, fica muito aquém da união hypostática de Jesus com a divindade.
O estado objectivo de graça em que Maria se encontra tem, no entanto, certos limites. Não se encontram justificações teológicas para atribuir a Maria todos os dons de graça possuídos pelo Homem no primitivo estado de inocência, nem tão-pouco o dom da posse da Visão Beatifica durante o seu tempo de vida na terra. Maria também não parece ter tido um especial conhecimento dos mistérios da fé ou o conhecimento infundido, característica atribuída aos anjos e ao Homem antes da primeira falta. Por outro lado, é compatível com a dignidade da Mãe de Deus que esta tenha um grau superior de conhecimento sobrenatural da fé e, depois da concepção de Cristo, um dom especial de contemplação mística. Outra diferença que Maria tem em relação ao seu filho é que Jesus Cristo tinha total e absoluta plenitude de graça desde o início enquanto que Maria foi crescendo a partir do seu estado de Graça inicial até à sua morte, como sugere o evangelho quando diz «Maria guardava todas estas coisas e meditava nelas no seu coração» (Lc 2:19).
Em jeito de conclusão poder-se-ia dizer que faz todo o sentido que o primeiro dogma que a Igreja definiu acerca da Virgem Maria tenha sido o da Maternidade Divina se tivermos em conta que toda a dignidade de Maria e o culto que a Igreja lhe presta lhe advém da graça de ter sido escolhida de entre todas as mulheres para ser Mãe do Redentor do género humano.
Roberto Ceolin
Universidade de São José