Dizendo a verdade com Amor
Todos têm direito aos bem materiais, como parte da sua missão de cuidar e tratar a Terra (Géneses 2:15). Mas para além do direito de possuir bens materiais cada um de nós também tem o direito a algumas posses intangíveis, tais como o direito ao seu bom nome e à sua reputação.
E este é um direito que é violado quase todos os dias. Sempre que nós criticamos alguém, nos nossos pensamentos, através das nossas palavras ou actos, estamos a roubar àquela pessoa o seu bom nome.
Podemos danificar o bom nome de alguém quando fazemos julgamentos sobre esse alguém nos nossos pensamentos. Jesus alertou-nos: «Não julgueis para não serdes julgados. Porque sereis julgados pelo julgamento que fizestes, e a medida que aplicastes será a medida que vos será aplicada (Mateus 7:1-2)».
Podemos manchar a reputação dos outros com as nossas palavras. São Tiago escreveu quão perigosa pode ser a língua: «Assim, a língua é um pequeno membro que produz coisas grandiosas. Tamanha é a floresta, mas que se incendeia com um pequeno fogo. A língua é um mundo injusto no meio dos nossos membros, manchando todo o corpo, incendiando o ciclo natural das coisas, e incendiando pelo Inferno».
São Tiago acrescenta que nós conseguimos domar os animais «mas nenhum ser humano consegue domar a sua língua – uma peça endiabrada e cheia de veneno. Com ela nós abençoamos o Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, que são feitos à imagem e semelhança de Deus. Da mesma boca saem bençãos e maldições. Meus irmãos, isto não devia ser assim (Tiago 3:5-10)».
O Papa Francisco falou, em muitas ocasiões, sobre os males dos rumores e do “diz-que-disse”. No último Natal, durante a tradicional troca de cumprimentos com elementos da Cúria Romana, ele falou, entre outros tópicos, sobre a doença do “diz-que-disse”, de rumores e de intrigas. Ele explicou que «essa é uma doença grave, que muitas vezes começa simplesmente com uma pequena conversa e acaba por assenhorear-se das pessoas, transformando-se em semente de discórdia, como Satanás, e tornando-se, em muitos casos, em assassínios a sangue frio das reputações dos seus colegas e irmãos. É uma doença de cobardes que, não tendo coragem de falar directamente com a pessoa envolvida, preferem falar por trás das costas».
Longe de criticar os seus companheiros de trabalho no Vaticano, o Santo Padre tem-los encorajado a aprenderem a dizer a verdade directamente à pessoa visada, que assim poderá fazer um profundo exame de consciência.
Afinal foi exactamente o que Jesus ensinou aos seus discípulos: «Se o teu irmão pecar contra vós vai ter com ele e diz-lhe que errou, numa conversa entre apenas vocês os dois. Se ele ouvir, ganhaste um irmão (Mateus 18:15)». A nossa Fé necessita que pratiquemos a lealdade, em vez dos rumores.
Na sua mensagem da Quaresma de 2012, o Papa Bento XVI trouxe à conversa, «um aspecto da Vida Cristã, que eu acredito que tem sido muitas vezes esquecido: a correcção fraternal com vista à Salvação Eterna». Ele disse que nos dias de hoje existe uma grande preocupação pelo bem estar dos outros, mas que estamos «quase completamente em silêncio sobre a nossa responsabilidade espiritual para com os nossos irmãos e irmãs».
Bento XVI disse que informar os outros da verdade faz parte da nossa missão profética como cristãos. Além disso, acrescentou que admoestar os pecadores está entre as tarefas da caridade espiritual.
«Assim» – disse ele – «a admoestação Cristã nunca é motivada por um espírito de acusação ou de recriminação. Antes, é sempre movida pelo Amor e Misericórdia, e resulta de uma preocupação genuína pelo bem dos outros».
E o que é que devemos lembrar-nos quando corrigimos outras pessoas? Deixem-me usar algumas das ideias de São Josemaría.
1 – Primeiro, falar com Deus sobre o problema. Quando falamos com Deus sobre os erros dos outros estamos a rezar por eles. Se falarmos com outras pessoas sobre o mesmo problema, isso é pura intriguice. E qual é melhor, rezar ou disseminar intrigas?
2 – Corrigi-lo em privado «entre apenas vocês os dois (Mateus 18:15)». Corrigir alguém em frente de todos não faz bem a ninguém.
3 – Façam isso «com espírito de mansidão (Gálatas 6:1)». Se a correcção for inspirada no Amor, deve ser caracterizada pelo amor, e não por um zelo amargo. De outra forma, tornar-se-á numa bofetada moral, que deixará marcas, das quais a pessoa se envergonhará sempre.
4 – Lembremo-nos que nós próprios podemos incorrer no mesmo erro. «Porque será que vemos o argueiro no olho do vizinho e não vemos a trave no nosso? (Mateus 7:3)». São Paulo aconselha-nos: «Cuidem-se para que não sejam julgados da mesma forma [que julgaram os outros] (Gálatas 6:1)».
O Papa Bento XVI, na sua mensagem da Quaresma, concluiu assim: «Num mundo recheado de individualismos é essencial redescobrir a importância da correcção fraternal, de forma a que juntos possamos caminhar para a santidade. As Escrituras dizem-nos que mesmo “o homem correcto cai sete vezes (Provérbio 24:16)”; “todos somos fracos e imperfeitos (João 1:8)”. É pois um grande serviço ajudar os outros e permitir que nos ajudem, de forma a que nos possamos abrir para toda a verdade sobre nós próprios, melhorarmos as nossas vidas e caminharmos de cabeça mais erguida nos caminhos do Senhor. Haverá sempre a necessidade de um olhar, que ame e admoeste, que conheça e compreenda, que entenda e perdoe (Lucas 22:61) conforme o que Deus fez e continua a fazer com cada um de nós».
Pe. José Mario Mandía
(Tradução: António R. Martins)