Da finisterra aos oceanos

Portugal, Atlântico e Mediterrâneo – este triângulo permitiu a Orlando Ribeiro caracterizar a nossa identidade aberta, ligada inequivocamente ao mar, salientando o facto de alguns historiadores terem procurado «realçar, ao lado de um Portugal lavrador, que sem embargo, formará a ossatura da Nação, um Portugal dedicado às fainas da pesca, da navegação e do comercio marítimo. O que tudo ajuda a compreender a génese, necessariamente obscura, da expansão e dos descobrimentos a partir do século XV».

Somos “Finisterra” e isso dá ao diálogo entre terra e mar uma decisiva importância, com evidente complexidade, que dita as nossas forças e fragilidades.Se na Ibéria prevalece ao centro a tónica continental, a verdade é que a autonomia do Ocidente, longe de ser produto de um acaso, deve-se à influência do litoral, resulta de uma vontade, salientada por Herculano, favorecida pela preponderância da “ora marítima”. Daí a pergunta sobre que potência marítima fomos ou poderemos ainda ser, ligando a história de D. Dinis, «plantador de naus a haver», na expressão de Pessoa, aos diversos momentos históricos em que superámos as carências multisseculares do território – descobrimentos, especiarias, ouro do Brasil, migrações, volfrâmio e fundos europeus.

Os oceanos são decisivos nas redes de transportes intercontinentais, nomeadamente entre a Ásia e a América do Norte, a Ásia e a Europa Ocidental.

A globalização só pode ser entendida de um modo criativo ao serviço do desenvolvimento humano, através da valorização dos mares. Apesar da importância do transporte terrestre, por exemplo ferroviário intercontinental (na Europa ou na China), há novas e imensas possibilidades de desenvolvimento do movimento e dos transportes oceânicos, como no Ártico.

Por outro lado, falando dos combustíveis fósseis, poderemos ver, provavelmente a partir de 2030, ampliada a capacidade de oferta com a entrada da exploração do gás natural obtido dos hidratos de metano localizados no fundo dos oceanos.

Basta lembrarmo-nos da instabilidade politica e social das regiões ricas em reserva de petróleo e gás natural (Médio Oriente, Golfo Pérsico…), para entendermos a inevitabilidade de um movimento natural em direcção ao mar.

Os países desenvolvidos do Norte irão, ainda, tender a procurar no Ártico uma base segura de exploração de energia.

Por outro lado, as chamadas economias emergentes (China, Índia, Brasil ou Turquia) tenderão a apostar na exploração intensiva do potencial de energia da respectiva plataforma continental. Os oceanos irão ainda ser considerados uma fonte imprescindível para a obtenção de minerais, hoje primordialmente encontrados na África Central e do Sul. Em suma, a dificuldade em estabilizar politica e socialmente a prazo relativamente curto essas regiões, obrigará, por questão de sobrevivência, a encontrar novas fontes minerais de importância civil e militar – atenta a circunstâncias de as motorizações híbridas e eléctricas obrigarem à utilização de pilhas de cobalto, a verdade é que os recursos metálicos existentes no fundo dos oceanos apresentam vantagens alternativas, hoje ainda de elevado custo, mas dentro de três décadas certamente ao alcance da humanidade, graças a novos instrumentos tecnológicos.

Acresce que a descoberta recente de formas de vida, em condições ambientais extremas, nas profundezas do mar, irá fornecer uma base completamente nova de exploração biotecnológica com consequências desde as áreas da saúde e da farmacopeia até à biotecnologia e, quem sabe, à criação artificial de seres vivos que combatam a acumulação de gases com efeito estufa. Isto, para além, numa escala menor, da exploração de microalgas, que poderá constituir uma base mais segura de produção de biocombustíveis sem efeitos perversos na cadeia alimentar. Em virtude das alterações climáticas e dos efeitos perversos na produção agrícola de algumas regiões do mundo densamente povoadas, poderá ocorrer a chamada “revolução verde dos oceanos”, que permitirá a disponibilização de alimentos tradicionais ou inovadores, aptos a corresponder aos modernos desafios, perante o aumento global da população terrestre.

A extensão e exploração da plataforma continental permitirá a Portugal assumir-se cada vez mais como uma nação marítima europeia, o que acarreta um esforço exigente e oneroso na nossa vasta zona marítima. Tal obriga a escolha de parceiros internacionais que criem maiores oportunidades de investimento, de experiência, de conhecimento dos fundos dos oceanos, de prospecção de recursos e de novas explorações com envolvimento de diversas competências nacionais. Estados como a Noruega ou o Japão poderão ser bons aliados nestes domínios, para além da cooperação no Atlântico Norte. Serão, assim, necessárias tecnologias de exploração submarina, que extrapolem a esfera militar, seja por razões científicas ou económicas – como é o caso dos hidrocarbonetos no offshore marítimo profundo. Por outro lado, há as tecnologias de base biológica, tanto para a nova produção alimentar, como para a exploração do potencial farmacêutico dos recursos biológicos marinhos, ou ainda para exploração de microalgas para produção energética sustentável.

Refiram-se ainda as tecnologias energéticas que dispensam a queima de combustíveis fósseis e oferecem uma alternativa à energia nuclear na propulsão eléctrica de navios ou na alimentação de sistemas de armas de energia dirigida embarcadas em novos tipos de navios militares. Por fim, não esqueçamos as tecnologias de informação e comunicação, quer à superfície quer na relação com as actividades submarinas.

O acesso de Portugal aos oceanos não deve ser apenas posicional, mas estratégico quanto ao conhecimento, exploração e utilização, possibilitando oportunidades novas de negócio, incentivando a componente científica e tecnológica e integrando o País, a nossa economia e instituições científicas, como tem afirmado José Manuel Félix Ribeiro, «em plataformas cooperativas organizadas por actores globais que encontrem razões específicas para investir em Portugal no contexto do desenvolvimento dessas plataformas globais». Daí a necessidade da articulação de uma dinâmica flexível e actuante de planeamento indicativo, investigação, monitorização, exploração e avaliação – que permitam, sem voluntarismo nem fatalismo, encontrar um caminho sustentável e duradouro de criatividade, eficiência e equidade.

O projecto europeu tenderá, assim, a reforçar-se se os interesses comuns forem defendidos em diversas plataformas ou esferas – desde os interesses partilhados por todos (de segurança e de paz, de sustentabilidade humana e ambiental) até a geometria variável dos interesses comuns parcelares (no sistema monetário, entre fronteiras, nas redes de transportes ou de infra-estruturas, nas plataformas continentais) e, neste particular, uma união de Estados e povos livres e soberanos deverá encontrar pontes de cooperação, de solidariedade e de subsidiariedade.

“Saber de experiências feito”. Eis o que se exige, aliado à audácia e à persistência. Falar do Oceano é referir um desafio exigente e tão amplo quanto o é o horizonte para quem navega nos mares, um estimulo sempre renovado, até que encontremos as aves e os sinais que nos indicam a proximidade da natureza e da vida e depois o desenho das costas que nos acolherão. Para os portugueses, o mar deixou de ser lugar de monstros e de mistérios para se tornar um caminho de gesta trágico-marítima, mas fundamentalmente de descoberta e de esperança. Ao falar das Campanhas Oceanográficas do rei D. Carlos, Mário Ruivo faz a síntese necessária, que não podemos esquecer: permitiram «a um certo número de jovens biologistas portugueses contactar directamente com a grande escola do mar e da vida a bordo. Vida que não se coaduna com egoísmos e vaidades; a vida que exige atitudes francas, forja a amizade, a camaradagem, o espírito de sacrifício, o entusiasmo, bases fundamentais de todo o trabalho em equipa».

Guilherme d’Oliveira Martins 

Presidente do Centro Nacional de Cultura

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