O sobe e desce

O PIB de Portugal está a subir, o desemprego a descer, já se reestruturou um terço da dívida nacional (sem que ninguém saiba), os juros da dívida estão a descer, a confiança dos portugueses está subir e Cavaco vai “descer” dia 9 de Março. Razões, embora tímidas, para não ficarmos no eterno “choradinho” de que “tudo vai mal no Reino da Dinamarca”.

Mas neste vaivém do sobe e desce há áreas “cinzentas” que, pese embora a dificuldade natural em assistirmos a modificações rápidas, pelo conjunto de interesses corporativos que representa, os portugueses exigem uma atitude mais acutilante e objectiva. Trata-se da justiça portuguesa e dos instrumentos que a regulam e a devem tornar mais eficaz.

Vem isto a propósito de ter sido acusado um procurador da República Portuguesa que, como contrapartida de uns bons milhares de euros que recebeu, “arquivou” um processo que envolvia os interesses de um alto dirigente angolano.

Já tivemos um pouco de tudo. Um alto dirigente do PSD envolvido num escândalo financeiro e acusado de assassinato no Brasil, banqueiros sem escrúpulos apanhados nas malhas da Lei, um ministro a “facilitar” os vistos gold e até um Primeiro-Ministro do PS preso, entre tantos outros casos mediáticos a afectarem figuras públicas da nossa praça. No entanto, e se bem que estes casos possam tentar ilustrar a eficácia da nossa polícia de investigação, ficamos com um amargo de boca ao verificarmos que o arrastamento indefinido destes processos judiciais leva uma boa parte dos nossos cidadãos a duvidarem que algum dia se faça justiça; se os processos movidos se baseavam em factos incontestáveis, ou se toda esta febre acusatória das autoridades não passa de uma “cortina de fumo”, destinada a aliviar a pressão dos cidadãos sobre a corrupção no Estado.

E estas dúvidas multiplicam-se quando nos apercebemos que, eventualmente, os executores da própria justiça, também eles, se envolvem numa descarada corrupção.

Desde há muito que alguns “corajosos” falam sobre o viciamento do nosso sistema político, enquanto permissor do uso de influências entre os nossos dignitários representantes políticos e os mais variados interesses económicos. A começar no Parlamento, onde os deputados que fazem as leis são igualmente conselheiros jurídicos de empresas particulares, e a acabar nos “negócios do Estado” onde, em nome do chamado interesse nacional, algumas empresas são beneficiadas – passando pelos “ajustes directos” que escapam aos concursos públicos – muitas dúvidas têm sido levantadas sobre os princípios éticos que norteiam os nossos políticos, nomeadamente aqueles que sempre governaram o País até aqui, pertencendo aos partidos do que chamaram “arco da governação”: PS, PSD e CDS.

Mas dúvidas não são certezas, embora no contexto do julgamento popular a acusação seja já um julgamento final. Para que tal não aconteça e não dê lugar a equívocos ou outras interpretações maldosas, que denigram ainda mais a imagem da justiça aos olhos dos cidadãos, o sistema judicial português deve reformar-se profundamente. Se há reforma do Estado que seja urgente, esta é uma delas!

Antevendo que nem tudo seria um mar de rosas para o actual Governo e que as expectativas criadas aos cidadãos não poderiam ser satisfeitas de imediato, em face dos constrangimentos nacionais e internacionais, atrevi-me a sugerir que o Governo do Partido Socialista, apoiado pelo Bloco, PCP e PEV, que constitui uma novidade em 42 anos de democracia, desse uma especial atenção à reforma estrutural da justiça, enquanto um dos pilares fundamentais do bom funcionamento da democracia. Bem sei que em três meses de governação e por muito mérito que tenha a actual ministra da Justiça é muito cedo para avaliar o que está feito e o que pretende fazer. Mas se há algo que eu sei é que os problemas da justiça em Portugal não começam nem acabam no Ministério da Justiça. Eles estão a montante e a jusante, começando em quem faz as leis e acabando em quem na rua as aplica. E, neste caso, é o poder político que deve intervir.

Se pouco ou nada fizer para moralizar os cargos públicos este, ou qualquer outro Governo, não conseguirá moralizar a sociedade para os desafios que lhe apresente e entrará num carrossel de contradições em que, por muito que suba, descerá sempre mais.

LUIS BARREIRA

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