Aprendendo a perdoar, procurando perdão
Há dez anos, a 2 de Abril de 2005, às 9 horas e 37 da noite (tempo local de Roma), o Papa João Paulo II regressou a casa do Pai. Milhões de pessoas seguiram os últimos dias da sua prolífica vida terrena. Muitos comoveram-se ao ponto de se converterem. O facto de ter entregue a sua alma num sábado, dia que é dedicado à Virgem Santíssima, e na véspera da Festividade que ele próprio tinha instituído, a Festa da Divina Misericórdia, não foi coincidência.
No dia seguinte, durante a Festa, e no final da Missa Sagrada, celebrada em honra da Papa falecido, o arcebispo D. Leonardo Sandri, substituto do Secretário de Estado do Vaticano, leu algumas palavras deixadas pelo falecido Pontífice.
«Fui encarregado», anunciou o arcebispo, «de ler um pequeno texto que foi preparado de acordo com instruções explícitas do Santo Padre João Paulo II. Sinto-me profundamente honrado em poder fazê-lo, mas também cheio de nostalgia».
Parte do texto dizia: «Como uma oferta para com a Humanidade, que por vezes parece estar confusa e assoberbada pelo poder do Mal, egoísmo e medo, o Senhor Ressuscitado oferece o Seu amor que tudo perdoa, reconcilia e reabre os corações para o amor. É um amor que converte os corações e dá Paz. Como o Mundo precisa de entender e aceitar a Divina Misericórdia».
Assim, rezemos: «Senhor, que nos revelas o Amor do Pai com a Vossa morte e Ressurreição, nós cremos em Vós e confiantemente Vos repetimos hoje: Jesus confio em Vós, tende misericórdia de nós e de todo o Mundo».
No dia 13 de Março, no segundo aniversário da sua eleição como 265º sucessor de S. Pedro, o Papa Francisco anunciou que convocara um Ano Jubileu de Misericórdia especial, que começará a 8 de Dezembro deste ano. O Papa fez o anúncio durante um Serviço Penitencial, onde ele próprio se confessou (aliás, como o fizera no ano anterior, numa ocasião semelhante), antes de ouvir as confissões dos fiéis.
Qual é a intenção do Papa Francisco? Ele explicou: «Desejamos viver este Ano à luz das palavras do Senhor: sejam misericordiosos, assim como o Pai é misericordioso (Lucas 6:36)».
Façamos um retrocesso. 3 – Necessitamos ser misericordiosos e perdoar. 2 – Aprendemos a fazer isso quando nos concedem misericórdia. 1 – Somos perdoados quando admitimos os nossos erros. Perdoando – sendo perdoados – admitindo a nossa culpa. O Papa Francisco ensina-nos que o primeiro passo, aquela «transformação do coração, que nos leva a confessar os nossos pecados “é uma oferta de Deus”, é o “Seu trabalho” (Efesos 2:8-10)».
Admitir a Culpa
Há alguns anos estava a dar aulas sobre Fé a alunos do ensino secundário. Um deles chegava habitualmente atrasado; um dia perguntei-lhe: «Porque chegas sempre atrasado?» Ele baixou a cabeça e num tom solene declarou, enquanto batia no seu peito: «Por minha culpa, por minha culpa, por minha tão grande culpa». Chegou para mim!…
Quando o filho rebelde da parábola regressou a casa do seu pai e admitiu: «Pai, pequei contra os Céus e contra Ti; já não sou digno de ser chamado de teu filho (Lucas 15:21)», o pai não necessitou de mais nenhuma prova do seu arrependimento. De imediato o abraçou, chamou os seus servos que o limparam e vestiram, e deu uma festa em sua honra.
É fácil, para nós, cairmos na auto-rectidão, é tão fácil justificarmo-nos, é tão fácil imitarmos o Fariseu: «Agradeço-Vos Senhor, por não ser como os outros homens (Lucas 18:11)». «É preciso ter coragem e muita humildade para deixar o Espírito Santo brilhar sobre as nossas almas, e assim enfrentar os nossos erros e defeitos, e dizer a Deus que o ofendemos».
Sendo Perdoado
Na homilia de 16 de Março, na Casa de Santa Marta, o Pontífice lembrou aos seus ouvintes que Deus está apaixonado por nós. «Já pensaram nisto? O Senhor sonha connosco! Ele Pensa em mim! Eu estou no Seu pensamento e no Seu coração».
E então perguntou: «O que devo fazer? Acreditar. Devo acreditar que o Senhor me pode mudar, e que tem o poder de o fazer».
E na realidade Deus faz isso através do Sacramento da Reconciliação (Confissão). Jesus É Deus, e Deus é o Criador!
Ele tem o poder de nos recriar. Mas só o fará se o deixarmos entrar em nós. «Como o Mundo precisa tanto de entender e aceitar a Divina Misericórdia».
Perdoando
Quando admito a minha culpa e recebo o perdão «setenta vezes sete (Mateus 18:22)», isto é, tantas as vezes quantas eu pedi perdão a Deus, eu aprendo a perdoar e ser misericordioso. Pois fui perdoado tantas vezes mais!
A parábola do servo mau, descrita no capítulo 18 do Evangelho segundo S. Mateus, (versículos 21-35), compara as dívidas do primeiro servo com as do segundo.
O primeiro devia ao seu senhor 10 mil talentos, o que seria equivalente a 600 mil dias de trabalho. Como é que ele acumulou tamanha dívida, é difícil de imaginar, mas, para nós, é considerada real. Somos «devedores diários», dizia Santo Agostinho. Um outro servo, seu companheiro de trabalho, devia-lhe 100 denários, o que corresponderia ao salário de 100 dias. Aparentemente, o primeiro servo não realizou o que o seu senhor tinha feito por ele e recusou perdoar a dívida ao seu companheiro de trabalho.
CS Lewis escreveu: «Ser Cristão significa perdoar o imperdoável porque Deus perdoou-nos o nosso próprio imperdoável» (“Ensaio sobre o Perdão”).
Assim podemos entender o que São João Paulo II queria dizer com: «Como o Mundo precisa tanto de entender e aceitar a Divina Misericórdia». Apenas quando nós tivermos sido perdoados muitas vezes é que eu vejo a necessidade e posso ter a força para perdoar, começando pelos que estão mais perto de mim, em casa ou no trabalho. É muito fácil ser misericordioso para com um pobre miserável em Calcutá, mas é difícil perdoar a exasperante personagem que vive ou trabalha connosco.
«Caros irmãos e irmãs», disse o Papa Francisco, «várias vezes pensei em como a Igreja deve clarificar a Sua Missão de ser a Testemunha da Misericórdia. E isso é uma caminhada que começa com uma conversão espiritual».
Pe. José Mario Mandía