O Nosso Tempo

Um Agosto (quase) como os outros…

Não é esta uma crónica das férias que já terminaram, mas quase. É seguramente o produto de várias reflexões feitas num Agosto (quase) como os outros.

Porque lá se foi esse mês que todos os anos invariavelmente é, para muitos, uma espécie de tempo mítico de todas as libertações. Da “escravatura” do quotidiano, com seus horários rígidos, as suas rotinas enfadonhas, as suas preocupações de cumprir, de competir, de vencer.

E, depois, Agosto é o puro prazer do tempo com a família, o simples reencontro com a terra onde se nasceu, visitando os lugares da infância. Ou, noutro registo de gente mais aventureira, as viagens a países próximos ou distantes, descobrindo novas gentes e culturas.

Mas o mundo não parou em Agosto, só para benefício de poucos, mesmo se de muitos milhares. E foi a leitura desse movimento imperceptível de rotação política e social que dediquei o Verão, a partir da minha aldeia beirã, com os óculos especiais da rádio, da televisão e principalmente da Internet.

 

Redes sociais: do diálogo à afronta

Agosto teve para mim a novidade, este ano, o meu baptismo como utente das redes sociais, a acrescentar às outras fontes mais habituais de sentir o pulsar do mundo. Redes sociais a que aderi por necessidade, isto é, para compreender esse fenómeno avassalador de comunicação global. O de uma invisível (mas tão presente) praça pública, onde tudo se debate, mas onde também se nota, de forma gritante, o défice de uma certa ética da cidadania.

Tudo se diz sem restrições e num certo sentido ainda bem. Mas com os facebooks e os twitters a serem hoje, igualmente, os símbolos da intolerância, da ofensa e do amesquinhamento do outro, indicando a urgência de uma nova aprendizagem do civismo, aplicado aos novos tempos.

Se é indiscutível o benefício desse tipo de “democratização”, a do telemóvel e do tablet para (quase) todos, dando aos sem-voz a possibilidade de participarem nos grandes debates da cidadania, ainda está por construir uma unidade essencial entre povos e culturas, expressa na troca de mensagens aos milhões, a todos os momentos.

Quero dizer que nem por isso a humanidade está mais “unida”. Daí que, e para simplificar a questão, seja necessário que, num certo sentido, se regresse à escola, para se aprender, com as novas facilidades da comunicação ao nosso dispor, a ser cidadão no século XXI…

 

Para um novo debate público

O uso das redes sociais, como meio de comunicação entre indivíduos e veículo de mensagens políticas, é fenómeno que começa agora a ser estudado, nas suas múltiplas expressões, conteúdos e consequências.

Se Trump “elevou” o Twitter à categoria de mensagem presidencial, confirmou pelo seu estilo, todavia, os riscos da escrita instantânea, onde não se acautelam formas de cortesia, tidas por inúteis ou irrelevantes, nem se aprimora a linguagem, como sinal de respeito para com os destinatários. Sobretudo quando se exprimem convicções pessoais que, sem as necessárias cautelas, podem ser chocantes e ofensivas.

Vem isto mais directamente a propósito de comentário que li sobre as actuais dificuldades por que passa a Igreja Católica, onde se considera esta Instituição como “antro de abusadores e de praticantes de ritos pueris”.

Se é difícil de contestar que a Igreja tem hoje um grande desafio pela frente, quanto à sua credibilidade, se não lhe souber dar resposta, também é verdade que são os católicos, milhões de católicos em todo o mundo, os primeiros a deplorar e a sofrer com isso. E são milhões, insisto, que assim sofrem e pensam. Basta ver as multidões que acolhem o Papa nas suas viagens pastorais.

Já quanto aos ritos pueris, estamos aqui no melhor (ou no pior…) que os críticos (de inteligência forçosamente superior… porque são críticos, não é?) podem “fabricar”, quanto ao fenómeno universal das religiões. Não só o Cristianismo, não só o Catolicismo, mas todas as religiões. Porque são praticantes da sua crença, milhões de pessoas são pois obrigatoriamente acríticas, ignorantes e pouco dotadas intelectualmente, devendo por isso vergar-se à luminosa sabedoria dos inteligentíssimos não crentes.

Ninguém obriga, repito, quem não acredita… a acreditar. Mas a ofensa a milhões “que se dedicam a ritos pueris” devia fazer pensar, um minuto que seja, quem assim se exprime. Esses deveriam, aliás, exibir o seu título académico (ou equivalente) de detentores da verdade absoluta…

E para terminar este ponto, reputo a ideia já expressa acima: com a nova praça pública de debate proporcionado pela Internet, é tempo de os sistemas escolares incorporarem uma ou várias disciplinas sobre como usar esse novo poder da comunicação. Sem ofensas. Com respeito.

Neste contexto, muitas vezes verifico que os adultos necessitam muito mais de voltar à escola do que as crianças.

 

Um Agosto americano

O funeral de John McCain… ou como o mais notório ausente esteve sempre “presente”… nos discursos de Meghan, a filha do senador, e de Bush e Obama…

Com a curiosidade que sempre me orientou para tentar compreender países, culturas, instituições e líderes nacionais, bem como as múltiplas conexões entre todos esses elementos do puzzle que são a Sociedade e a Política, assisti na íntegra ao serviço fúnebre na catedral de Washington, onde intervieram Bush e Obama.

Como já referi noutro comentário, a homenagem nacional a John McCain, por ocasião da sua morte, constituiu a reacção emocional e POLÍTICA mais significativa CONTRA Donald Trump, o seu estilo como pessoa e como Presidente, e as consequências das suas iniciativas nos planos interno e externo.

Já o funeral de Aretha Franklin havia sido uma espécie de ensaio geral do que se iria passar em Washington, pelo tipo de intervenções ali feitas pelos líderes da comunidade afro-americana.

Sem se pronunciar uma única vez o nome do chefe do executivo americano, ele foi criticado, reprovado, desfeiteado. A começar pelo facto singular de ter sido o próprio homenageado a afastá-lo, aquém e além-túmulo!

Que desprestígio não só para um Presidente, mas para uma simples pessoa que se preze!

E isto tem obviamente relevância para além de Agosto, para além da América, porque se trata de um grande país a mostrar todos os dias ao mundo como se faz mau uso das instituições em que se organiza o poder, e como o poder não serve todos, mas só alguns.

Sem qualquer tipo de comparação, também na nossa Igreja como que um sopro de contestação à figura do Papa se fez sentir em Agosto e continua.

Mas Francisco tem para mostrar, aos seus detractores, a singularidade da pessoa que é, serena e humilde. É isso que mais perturba quem, através do Papa, quer atingir a Igreja no seu conjunto.

Carlos Frota 

Universidade de São José

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