Filosofia, um dentada de cada vez (79)

Como é que a indução nos leva ao motor imóvel?

“Parece que Deus não existe”, escreveu São Tomás (ver Suma Teológica), “porque se uma das contrárias for infinita, a outra será totalmente destruída. Mas a palavra ‘Deus’ significa que Ele é a bondade infinita. Se, assim sendo, Deus existe, não haveria o mal verificável; mas o mal existe no mundo. Portanto, Deus não existe”. Provavelmente já ouviram este argumento por parte de alguns amigos que duvidam: Deus não existe, porque há muita maldade no mundo.

Além disso, São Tomás acrescenta que “aparentemente, tudo o que vemos no mundo pode ser classificado por outros princípios, supondo que Deus não existe. Porque todas as coisas naturais podem ser reduzidas a um princípio que é a natureza; e todas as coisas intencionais podem ser reduzidas a um princípio que é a razão (raciocínio) humana ou a vontade. E, como tal, não há necessidade de se supor a existência de Deus” (Suma Teológica). Este raciocínio não vos lembra Stephen Hawking e Richard Dawkins?

A estas objecções, São Tomás responde fazendo uso das ideias dos filósofos gregos Aristóteles e Platão. Vimos, da última vez, que São Tomás argumentava que se pode demonstrar uma causa que não conhecemos através dos seus efeitos, num processo a que chamamos “indução”.

São Tomás apresenta “cinco formas” que começam com factos observáveis e se concluem com a sua causa – factos observáveis que servem de ponto de partida para os seus argumentos:

1– Facto de mudança (Aquino usa o termo “motus” – “movimento”). Para haver mudança (“movere” – “mover”) e trazer algo da potência (potencialidade) à acção (tal como quando uma folha fria de papel é incendiada).

2– Facto da causalidade eficiente (tal como um carpinteiro fazer uma cadeira, ou os pais gerarem um bebé).

3– Facto de que as coisas não tem necessariamente existência; elas são “contingentes”: hoje estão aqui, amanhã já se foram.

4– Facto de à nossa volta observarmos (diferentes) graus de perfeição, de ser, de verdade, de bondade, de beleza.

5– Facto de que cada processo na natureza parecer ter um propósito (a causa final).

De forma a entendermos melhor estas demonstrações, precisamos ter uma correcta compreensão de alguns conceitos metafísicos que abordámos anteriormente: “ser” – ens e o “acto de ser” – esse (ver FILOSOFIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ, nº 22); “acção” e “potência” (nº 29); “causa” (nos 35 e 36).

Em edições anteriores, abordámos um pouco as terceira (nº 23), quarta (nos 30 e 31) e quinta formas (nos 37 e 38).

A primeira e segunda formas são muito semelhantes uma da outra. A primeira pode ser assim resumida: observando coisas “em movimento”, isto é, vendo as coisas mudar, de serem potencialmente algo (exemplo: um médico) a serem realmente algo. Há uma passagem de uma capacidade real ou “potência” para a perfeição, com o objectivo de realmente possuí-la. São Tomás denominava este fenómeno de movimento. Mas para que exista movimento é necessário um “motor” que já possua a perfeição. Porque algo que seja potência ainda não tem perfeição e não pode dar (a si própria) aquilo que não possui. São Tomás argumenta que uma pessoa não pode ter uma série infinita de “motores”, porque uma série infinita não pode explicar a origem da perfeição ou acção. Deste modo, defende que terá de existir um primeiro motor imóvel. “É necessário chegar-se a um motor primário, que é colocado em movimento por nenhum outro: e isto todos compreendem ser Deus” (Suma Teológica).

Na primeira forma, São Tomás conclui com o Motor Imóvel; na segunda, com a Primeira Causa Eficiente; na terceira, com o Ser Necessariamente Existente; na quarta, a Causa de Toda a Perfeição; e na quinta, a Inteligência que Comanda (dirige) Todos os Seres.

O Motor Imóvel, a Primeira Causa Eficiente, o Ser Existente, a Causa de Toda a Perfeição, e a Inteligência, é o que chamamos de “Deus”.

Pe. José Mario Mandía

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