Religião: pretexto para conflito?
Este foi o título que, na mais recente edição do Fórum Económico Mundial de Davos, foi dado à sessão consagrada às questões ao chamado terrorismo “islâmico” e que reuniu representantes do Judaísmo, do Islão, da Igreja Anglicana e o ex-PM britânico Toni Blair que (presumo) representava ali o ponto de vista ou a sensibilidade da comunidade católica.
Duas direcções importantes teve esse debate – e por tal desenvolvimento se constata que se está cada vez mais preocupado, a nível dos líderes políticos e de opinião, entre os quais os religiosos, em identificar as causas da atracção que exerce sobre os jovens a aventura, muitas vezes sem retorno, do islamismo.
E a primeira distinção a que se chegou, sem originalidade, aliás, mas com sentido de oportunidade, foi a que separa religião da ideologia política.
O Islamismo, a nova forma de fascismo
O islamismo não é o Islão, não representa a religião fundada pelo Profeta Maomé, mas é um desvio ou uma degenerescência que procura no Corão a razão ou razões para uma ordem internacional alternativa, tendo mais a ver, todavia, com os projectos totalitários tipo nazismo ou fascismo que surgiram na Europa, nos anos trinta do século passado. E que conduziram à Segunda Guerra Mundial.
Como o fascismo, o islamismo é igualmente totalitário, é igualmente xenófobo e é igualmente “imperialista”, tendo vocação a exportar o seu novo (velho…) ideal revolucionário para além das fronteiras do seu quadro geográfico originário. E neste sentido é mais uma proposta de revolução mundial…
Como ideologia, essa nova crença – motivadora de tantos milhares de jovens, dispostos a morrer pela causa – visa realmente a tomada do poder; e, logo a seguir, uma certa forma de organização política das sociedades que, mais do que num certo código moral ou visão do mundo, vai beber ao passado todas as frustrações e razões de queixa, reais ou mitificadas, de uma civilização que não prevaleceu como projecto unificador universal.
Esta ideia mítica do “califado” planetário subjaz, como se sabe, em todas as construções ideológicas das várias filiais da Al Qaeda que se espalharam pelo Médio Oriente e África.
Pelas vicissitudes da História do Ocidente no mundo, a Civilização inspirada no Islão foi derrotada sucessivamente por uma certa ordem cristã; e, mais recentemente pelo colonialismo europeu, e tudo isso ficou na memória colectiva, numa amálgama de injustiças e agravos centenários.
Pois é a esse baú de razões de queixa que os arautos da tal “ordem nova” vão buscar os seus princípios legitimadores das guerras do presente.
Europa: um olhar para dentro
Mas que tem a ver essa ideologia do “longínquo” Médio Oriente com a vida quotidiana de milhares de jovens dos arredores de Paris ou de Marselha, de Londres ou de Birmingham?
Tem a ver desde logo – e aqui é que a reflexão sobre o tema entra já no campo das tentativas de explicação sociológica – porque o Médio Oriente afinal não está longe, mas “aqui” bem perto.
Bem perto pela Internet, pela televisão e pelas homilias inflamadas dos imãs nas mesquitas, em cada sexta-feira (pretensamente) de oração e recolhimento.
Ora, se esses jovens vivem em guetos urbanos e não têm possibilidades de deles sair, física e culturalmente, para chegar aos padrões de uma sociedade dominante que com eles recusa, na prática, partilhar os seus valores – aqui temos o “cocktail” explosivo, feito de sentimentos de exclusão e de discriminação, cuja bebida quotidiana cria lentamente um fermento letal que se transforma no desejo súbito do corte absoluto e de partir. Para onde? Para onde se é reconhecido como igual.
Questão central: a da identidade
A temática da identidade discutiu-se no painel de Davos como se discute, cada vez mais frequentemente hoje, em muitos círculos.
E como ligação imediata e lógica a esse conceito centeal, debateu-se a educação e as saídas profissionais.
Ousaria aqui usar uma imagem que me ocorre e que não é da autoria de nenhum dos participantes do debate de Davis: des-radicalização, como modo análogo ao do corte da dependência da droga. Porque o oposto, a radicalização, é uma forma de dependência psicológica que priva o jovem da liberdade de escolha, como a toxicodependência o faz.
Des-radicalizar e re-socializar, disse-se.
Des-radicalizar pela educação, re-socializar pela integração nas comunidades, através do emprego, nomeadamente.
No primeiro dos objectivos, a vigilância sobre o conteúdo do que pregam os imãs nas mesquitas e nas múltiplas escolas corânicas é fundamental. Como analogia colhida em país que conheço relativamente bem, invoco a Indonésia na sequência dos ataques terroristas a Bali e aos hotéis das cadeias Merriott e Sheraton em Jacarta. Pensou o Governo na altura em colocar um espião em cada mesquita do País, para saber o que diziam os imãs: solução impraticável claro, pois no maior país muçulmano do mundo, as mesquitas são aos milhares, espalhadas pelas três mil ilhas habitadas do gigantesco arquipélago.
Depois do ataque ao Charlie Hebdo
A Europa reflecte agora, com maior urgência, sobre os diferentes guetos invisíveis que foi criando, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, quando do norte de África (principalmente para França) e do Médio Oriente e Ásia (principalmente para o Reino Unido), e de todos os lados (principalmente para a Bélgica ) começaram a chegar ao velho continente catadupas de emigrantes como mão de obra barata, para apoiar o esforço de reconstrução dos países devastados pelo conflito.
Manuel Valls, o PM francês, denunciou corajosamente há dias a necessidade de se destruírem essas formas insidiosas de “apartheid” que proliferam.
Porque, como recordava também John Kerry em Davos, não só pela via militar se combate o terrorismo dito islâmico…
Carlos Frota
Universidade de São José