Papa Francisco – diplomacia para a paz
Os media falam do “efeito Francisco”, acentuando os aspectos exteriores da personalidade do Papa, a sua capacidade de comunicação, o seu modo de interagir com o mundo.
Embora estas características sejam importantes no diplomata que o Papa institucionalmente também é, não fôra a natureza da mensagem e a autenticidade do mensageiro, o Santo Padre depressa seria interpretado segundo os cânones habituais da duplicidade do discurso e da opacidade dos interesses subjacentes. Como qualquer outro actor da vida internacional.
O que o distingue pois dos outros seus “concorrentes”, na tentativa de influenciar o presente e o futuro?
A mensagem do Papa, a sua agenda, constam de um dos livros mais difundidos desde sempre, aquele com que Guttemberg iniciou a aventura da palavra impressa: a Bíblia.
Muitos considerarão esta asserção simplista e enganadora, tão grande foi o envolvimento da Igreja na política europeia dos séculos passados. Nesse contexto, travestida de instituição política, a Igreja tinha claramente uma agenda temporal. Mas esse tempo passou. Definitivamente, acredita-se.
O que resta então? O essencial que é o que mais interessa, isto é, a defesa e preservação dos direitos fundamentais da Pessoa Humana. Linguagem de simples auto-justificação esta? Creio que não.
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Para tentar ver o grau de envolvimento da Igreja nas grandes questões com que a comunidade internacional se defronta hoje, reflecti um pouco sobre os grandes temas consagrados nos discursos do Papa, nestes quase dois anos de pontificado. E na escolha dos lugares por si visitados, nas suas deslocações oficiais, ou nas chamadas visitas apostólicas. Que são, em boa verdade, todas elas.
Invoco aqui alguns desses temas e viagens, incompletos e sem ordem cronológica, ao sabor tão só do interesse pessoal que fui atribuindo a cada um desses momentos especiais.
Visita de um Papa à Terra Santa
As visitas dos Papas aos lugares santos do berço do Cristianismo revestem-se sempre de significado religioso muito especial e as razões principais são óbvias. Como aconteceu em Maio com a viagem do Papa Francisco.
Mas para além dessas razões principais, isto é, de visitar e rezar nos lugares mesmos onde Jesus Cristo teve os momentos mais marcantes da sua vida e da sua morte, há depois todo um conjunto de razões secundárias que modelam uma agenda mais político-diplomática do Pontífice.
Andam elas em torno das questões do fortalecimento dos laços com a Igreja Ortodoxa e o conjunto das outras confissões cristãs que naqueles mesmos lugares se reconhecem; da liberdade religiosa; da protecção das minorias cristãs; e das relações quer com o Judaísmo quer com o Islão.
E neste capítulo se ligam considerações da maior relevância no plano internacional. Pois tudo o que for conseguido no plano da aproximação entre as principais religiões do mundo, converte-se num bem para todos e na abertura de novos campos a explorar pela diplomacia dos Estados.
Assim deve ser visto quer o encontro que o Papa teve com o Grande Mufti de Jerusalém, quer com o Grande Rabino e o Patriarca ortodoxo Bartolomeu. E num registo mais claramente diplomático, com o Presidente da Autoridade Palestina e as autoridades do Estado de Israel, simbolizando as múltiplas dimensões da agenda do Papa. Em que há pois o histórico, o inter-religioso e o político.
Cada viagem de um Papa a Israel lembra que Jerusalém – e os outros lugares santos na Palestina – são pertença simbólica de mais de um bilião de crentes, espalhados por todo o mundo.
Pelo que, neste sentido simbólico – mas que se reveste da maior força – as autoridades de Israel e de um futuro Estado palestiniano são meras guardiãs de uma herança que largamente as transcende. O que vale para os muçulmanos, na sua reivindicação constante sobre Jerusalém, vale (pelo menos…) igualmente para os cristãos… e com precedência histórica!
Encontro do Vaticano entre Perez e Abbas
Como consequência prática desta viagem à Terra Santa, e a convite do Papa, teve mais tarde lugar no Vaticano (8 de Junho) um encontro entre o Presidente israelita Shimon Peres e o Presidente Mahmud Abbas da Autoridade Palestina.
Chamou-se a essa reunião uma jornada de oração mas a situação na Palestina foi forçosamente abordada, no quadro embora de um encontro despido dos rigores protocolares da diplomacia oficial.
Não terão sido poucas as vezes em que, das mais diversas formas e nas mais diversas circunstâncias, a diplomacia da Santa Sé se colocou à disposição das várias partes do conflito israelo-árabe para tentar pelo menos pequenos avanços. Sem nunca pôr em causa o que há muito vem sendo erigido como o padrão das negociações oficiais, os EUA, que tão poucos resultados tem dado.
Aparentemente sem resultados, todos esperamos que encontros desta natureza abram dimensões de diálogo que doutro modo não teriam lugar.
Mas as relações com o Islão constituem um capítulo especial que merece ser desenvolvido por si só. As visitas à Albânia (22 de Setembro) e à Turquia (28-29 de Novembro) foram orientadas em grande parte pela vontade persistente de um diálogo com o Islão, a fim de se voltar a página a séculos de hostilidade e conflito que ainda tem fortíssimos ecos nos nossos dias com o discurso da desforra tardia, assumido por todas as organizações extremistas de inspiração islâmica.
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Mas o Papa tem estado presente nos lugares mais diversos e tem abordado todos os grandes problemas do nosso tempo. Eis aqui um programa completo para futuras crónicas….
Carlos Frota
Universidade de São José